As guerras da cultura escolar é o título de reportagem no New York Times sobre a polarização nas salas de aulas americanas. Discussões acaloradas entre os alunos sobre a vacina, o uso de máscara, a política, os preconceitos de gêneros e raciais também assolam as salas de aulas dos alunos brasileiros.
Para a diretora da Escola Nossa Senhora das Graças (Gracinha), Ligia Mori, os conflitos divergentes são saudáveis para o aprendizado. “São em momentos como esse, que trabalhamos com argumentação e opinião e formamos o aluno crítico”, diz.
No Gracinha, todos os temas em discussão são postos em assembleias de classe. “O 4º e o 5º ano quiseram falar sobre a estátua do Borba Gato. O movimento feminista que culminou com a criação do coletivo “Eu não sou uma gracinha” teve início a partir de discussões sobre os movimentos democráticos no mundo”, diz.
O professor Vinicius de Castro, de Filosofia e Sociologia da Escola Carandá Educação, trouxe à tona, para a 2ª série do Ensino Médio, a discussão sobre racismo nas redes sociai, tendo como objeto de estudo a foto de uma empresa do mercado financeiro. “A partir da leitura dos textos, os alunos buscaram elementos que fortaleceram seus posicionamentos diante dos fatos e dos autores estudados, sem pautar suas colocações a partir de suas crenças. Com isso, o professor provocou a discussão tendo como pano de fundo o Leviatã, de Hobbes, e o conceito de “self-made man”, conta a diretora Ana Cristina Dunker.
Para ela, a polarização de ideias é conteúdo de trabalho. “Nossa tarefa, enquanto educador, é formar os estudantes para viverem enfrentamentos. As situações de embates que surgem durante as acaloradas discussões incitam a busca de fundamentos, pautados nos conhecimentos e na ciência, para embasar sua capacidade de argumentação”, diz Dunker.
A Escola Tarsila do Amaral, zona norte de São Paulo, atende alunos da educação infantil até o 2º ano do ensino fundamental. Com as duas turmas do fundamental 1, a escola tem utilizado as assembleias como meio de discussão de temas em pauta. “Conversamos muito com os alunos sobre o respeito aos que pensam diferente e levantamos discussões sobre as questões raciais, de gênero e sobre tudo que está acontecendo em nosso mundo”, conta Tássio José da Silva, coordenador pedagógico.
Quando os embates extrapolam as salas de aula e envolvem as famílias, as escolas seguem regras pré-estabelecidas. “Todo espaço coletivo tem regras, e fazemos uso delas em situações específicas. O uso de máscara é uma delas, que não abrimos mão. As famílias que pedem para seus filhos virem à escola sem máscara, têm seus motivos. Mas o Gracinha tem suas regras, e se abrir exceção para um, deve abrir para todos”, conta Ligia Mori.
Na Tarsila do Amaral cada caso é um caso. A escola conta com uma equipe multidisciplinar na área da saúde e da educação.
“Temos poucos alunos por sala, então conseguimos avaliar cada caso. Se o uso de máscara é prejudicial para determinado aluno com questões respiratórias, conversamos com os colegas e as famílias e pedimos a compreensão”, conta a diretora Danyelle Mariano Marchini.
Segundo Marta Gonçalves, psicóloga do Instituto Singularidades, as escolas estão no caminho certo em utilizar o recurso das assembleias. “É uma estratégia que dilui a situação de poder para o coletivo. É o grupo que decide, que faz acordo e que vive a situação de democracia. Mas para transformar o pensamento antagônico em conhecimento, alunos e professores devem estar com a saúde mental equilibrada”, diz.
“Durante um ano e meio com o ensino remoto, tanto os professores quanto os alunos, foram fisgados pelo vício do digital. E esse vício foi prejudicial para as interpretações das comunicações em grupos, ou nas redes digitais”, alerta.
“O tempo de isolamento social fez com que muitas pessoas ficassem presas na adolescência, interpretando a comunicação do outro conforme o humor e os conceitos previamente estabelecidos”, diz Marta. Para ela, existe um trabalho a ser desenvolvido pelas escolas, junto aos professores e alunos, de resgate ao “olho-no-olho”.