Atendimento psicológico e orientação médica recebem cadeira cativa no currículo

Atendimento psicológico e orientação médica recebem cadeira cativa no currículo

Colégios investem em profissionais e formam seu corpo diretivo e docente para atuar nas sequelas da pandemia

Matéria públicada no Estado de São Paulo em 11/10/2022 – Ninguém saiu ileso da pandemia. Alunos menores voltaram para a escola com o que os psicólogos chamam de comportamento regressivo. Os maiores – pré-adolescentes e adolescentes – têm dificuldade de reconstruir laços e manifestam sintomas de doenças mentais como depressão.

Um mapeamento feito pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, identificou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relataram sintomas ligados à depressão e à ansiedade. No retorno às aulas, houve queda em todas as competências socioemocionais, como empatia, foco, resiliência emocional, abertura ao novo. É um cenário que se repete nos colégios privados.

Se, durante a pandemia, os profissionais da saúde eram requisitados para ajudar nos protocolos sanitários que permitiram que as escolas reabrissem as portas, agora o atendimento psicológico tem quase cadeira cativa no currículo. Até porque, se a saúde mental não estiver em dia, todo o restante das disciplinas não será compreendida.

Equipe tem investido em situações que promovam integração; para os que chegaram mais fragilizados, é feita uma parceria com a família.
Equipe tem investido em situações que promovam integração; para os que chegaram mais fragilizados, é feita uma parceria com a família. Foto: Colégio Equipe

No Colégio Equipe, foi reforçado o time de educadores que atuam em um projeto de orientação aos estudantes dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. O projeto aborda temas como orientação profissional e a entrada na adolescência. “Os alunos voltaram mais ansiosos, com mais imaginação de como é essa relação com o outro, e com mais dificuldade em resolver os conflitos”, conta a diretora da instituição, Luciana Fevorini.

Um exemplo prático foi a preparação para um acampamento de três dias que já é costumeiro. Na volta da pandemia, a escola teve de se ater a fatores antes autogeridos pelos estudantes. “Precisamos ajudar a organizar a disposição deles dentro no ônibus, orientar quem sentaria com quem, porque isso estava causando angústia em alguns. Esse é um tipo de coisa que não acontecia antes.”

Para reverter sequelas como essa, a escola tem investido em situações que promovam a integração. No caso dos que chegaram mais fragilizados, é feita uma parceria com a família e a orientação para que, além do apoio do colégio, seja feito um atendimento individualizado.

“A gente tem uma equipe de orientadores, a maior parte é de psicólogos, mas atuamos nessa parte da observação e direcionamento. Não acreditamos que a escola seja o melhor espaço para o atendimento individualizado”, afirma a diretora.

Luto

Localizado na zona sul de São Paulo, o Centro Educacional Pioneiro precisou investir em um trabalho de acompanhamento psicológico bem antes da volta às aulas, nos meses iniciais de isolamento. Uma docente da escola morreu vítima de covid, no tempo em que ainda não se previa se e quando haveria uma vacina. “Era uma professora dos anos iniciais do fundamental. Imagina como ficaram as crianças que eram da sua turma”, lembra a diretora da instituição, Irma Akamine Hiray.

“Tivermos a ajuda de um psicólogo para falar sobre luto. Foi um dos primeiros trabalhos a respeito da saúde mental. Precisávamos apoiar os estudantes, as famílias e a equipe de colaboradores diante daquela situação.”

Agora, a escola segue com o projeto denominado Convivência Ética, com a participação de psicólogos que trabalham as demandas ligadas à saúde mental com o olhar para os recortes etários dos estudantes, e abarca docentes e demais colaboradores.

Para estar pessoalmente preparada para acolher e apoiar os alunos, a própria Irma fez uma pós-graduação em suicidologia e processos autodestrutivos. “Para mim, como diretora, era muito difícil entender como crianças e jovens estavam vivendo todos esses sentimentos. A gente vê crianças com síndrome do pânico, ideações suicidas. Essas questões começaram a fazer parte do nosso chão de escola.”

Além de Irma, toda a equipe docente também realiza cursos de formação continuada no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), conduzido por pesquisadores de Unicamp, Unesp e Unifesp. O grupo estuda educação a partir de duas linhas: “Convivência na escola: virtudes, bullying e violência” e “As Relações Interpessoais na escola e o desenvolvimento da autonomia moral”. “Estamos sempre estudando e atentos para indicar apoio especializado, quando necessário. Tivemos casos, por exemplo, de perceber adolescentes praticando autolesão, ainda antes que a família percebesse.”

Alunos da Escola Tarsila do Amaral: om as crianças com idades entre 6 e 8 anos, o foco tem sido em canalizar a energia reprimida para atitudes educativas.
Alunos da Escola Tarsila do Amaral: om as crianças com idades entre 6 e 8 anos, o foco tem sido em canalizar a energia reprimida para atitudes educativas. Foto: Escola Tarsila do Amaral

Sem interação

Mesmo quem é pequeno a ponto de nem ter se dado conta da pandemia – e pode ter achado que máscara era de uso natural, como camisetas ou sapatos – sofre com as sequelas. Na Escola Tarsila do Amaral, que atende do berçário até o 3.º ano do fundamental (8 e 9 anos de idade), a psicóloga Angela Carbonari relata sequelas do isolamento no comportamento “até dos menorzinhos”.

“Os pequenos voltaram com alguns comportamentos que já haviam sido elaborados, como o choro demasiado no momento da despedida, o uso excessivo de chupetas, tecnologia em excesso. Quem já tinha boa oralidade voltou com o que chamamos de ‘fala infantilizada’”, afirma.

Segundo ela, todos esses comportamento são resultado da falta de interação social, importante desde a primeira infância. Melhorar isso envolve um trabalho de orientação com as famílias e a participação ativa dos responsáveis.

Com as crianças com idades entre 6 e 8 anos, o foco tem sido em canalizar a energia reprimida para atitudes educativas. “Voltaram com atitudes agressivas e indelicadas. O caminho tem sido conversas individuais, com muita escuta – porque eles precisam falar, ter um espaço para se colocar – e depois a proposição de ações coletivas.”

O Brasil foi o segundo país da América do Sul e o quarto do mundo que mais tempo manteve fechadas as escolas durante os dois anos e meio de pandemia.
O Brasil foi o segundo país da América do Sul e o quarto do mundo que mais tempo manteve fechadas as escolas durante os dois anos e meio de pandemia. Foto: Werther Santana/Estadão

Escolas fechadas

O Brasil foi o segundo país da América do Sul e o quarto do mundo que mais tempo manteve fechadas as escolas durante os dois anos e meio de pandemia, segundo relatório da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado na semana passada. Foram 178 dias sem aulas para ensino fundamental e médio, o triplo de tempo na comparação com a média de países mais ricos. Os três que tiveram pior situação foram Chile, Letônia e Polônia.

A pesquisa da OCDE mostra que em metade dos países com dados disponíveis para o ano letivo 2019/20 (ou 2020), as escolas foram totalmente fechadas – ou abertas só para alunos com necessidades educacionais especiais e filhos de trabalhadores de serviços essenciais por pelo menos 34 dias na pré-escola, 45 dias nos níveis primário (anos iniciais do fundamental) e nos anos finais do fundamental, e 50 dias no nível médio. Em 2020, 1,5 bilhão de estudantes em 188 países foram impedidos de frequentar as salas de aula por causa da quarentena. Ao longo de 2021, a situação melhorou gradualmente.