Brasil investe menos de um terço do que países desenvolvidos em educação básica

Brasil investe menos de um terço do que países desenvolvidos em educação básica

No ensino superior, gasto por aluno é parecido com o destinado por nações da OCDE; especialistas falam em inversão de prioridades

Matéria publicada no Estadão em 12/09/2023

O governo brasileiro investe menos de um terço do que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para cada aluno da educação básica pública desde meados dos anos 2010. No novo relatório Education at a Glance, divulgado nesta terça-feira, 12, o Brasil aparece mais uma vez entre as nações com valores mais baixos: são US$ 3.583 por aluno/ano, enquanto a média é de US$ 10.949.

Desde o ano 2000, o Brasil triplicou o valor investido por aluno no ensino infantil, fundamental e médio, mas ainda está distante de outros países. No mesmo período, a Coreia do Sul passou de cerca de US$ 3 mil para US$ 14 mil por aluno/ano; Portugal, de US$ 3,5 mil para US$ 10 mil; Austrália, de US$ 5 mil para US$ 12 mil.

No topo do ranking de investimento mais recente da OCDE, que considera dados de 2020, há ainda Luxemburgo, com US$ 26 mil por aluno/ano, e Suíça, com US$ 17 mil. E países tão grandes quanto o Brasil, como Estados Unidos, com US$ 15 mil. Abaixo do País, estão apenas México e África do Sul.

O Brasil tem cerca de 45 milhões de alunos nas escolas públicas, o que torna alto o investimento para se chegar ao valor de países da OCDE. Nos últimos anos, o País tem investido cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação básica, superior à média da OCDE, de 3,6%, mas não é suficiente. O dado brasileiro sobre o PIB não consta do relatório atual, mas aparecia nos anteriores.

Sobral, no interior do Ceará, é um dos raros exemplos de boa qualidade de ensino na rede pública do País
Sobral, no interior do Ceará, é um dos raros exemplos de boa qualidade de ensino na rede pública do País Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Por outro lado, o investimento do Brasil em ensino superior não se distancia tanto dos países ricos. Como existem apenas 2 milhões de alunos nas universidades públicas, a inversão de prioridades é criticada há anos por educadores no País.

São US$ 14.735 investidos no Brasil por aluno, por ano, no ensino superior público. Enquanto, entre os países da OCDE, o valor é de US$ 14.839.

Levando em conta o valor total gasto com educação, os dados mais recentes mostram que o Brasil foi na contramão dos outros países. Mesmo em ritmo mais lento que o normal por causa da pandemia, a despesa com educação cresceu, em média, 2,1% de 2019 a 2020 entre os países da OCDE. Já no Brasil, houve queda 10,5%.

Especialistas argumentam que o investimento em universidades – pela estrutura, salário de professores, foco em pesquisa – é realmente alto, mas é preciso colocar mais recursos também na educação básica.

Os modelos internacionais e nacionais mostram que mais recursos na educação básica devem ir para um grupo de políticas que conjuntamente trazem resultados, como escola em tempo integral, alfabetização, formação de professores, primeira infância e educação profissional e tecnológica. Países com destaque em avaliações internacionais, como Finlândia, Holanda, Canadá e Dinamarca, investem acima da média da OCDE por aluno da educação básica.

Em julho, o governo federal sancionou um projeto de lei de autoria do próprio Executivo para injetar R$ 4 bilhões na educação básica a fim de ampliar o número de matrículas na educação integral. A meta do governo é alcançar um total de 3,2 milhões de novos estudantes em tempo integral até 2026.

Em 2021, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional que tornou o Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica, permanente. A medida determinou ainda aumento no montante de recursos repassados pela União a Estados e municípios para custear a etapa. Pela nova regra, ao longo de seis anos, a complementação feita pela União deve passar de 10% para 23%, o que representa acréscimo de R$ 77 bilhões ao fim desse ciclo.

Neste ano, o Fundeb ficou na berlinda após ser incluído pela Câmara no limite de gastos fixados pelo novo marco fiscal. Após mobilização no setor educacional, o Senado modificou o texto aprovado na Câmara e retirou o Fundeb das restrições impostas pelo arcabouço.

Em agosto, a Câmara concluiu a votação do tema e manteve a decisão do Senado, preservando o fundo. As regras do arcabouço pretendem manter as despesas do governo abaixo das receitas.

Para especialistas, porém, é importante melhorar a eficiência dos gastos do governo, com mais planejamento e monitoramento de políticas públicas. As próprias autoridades reconhecem que é possível melhorar o uso da verba com os recursos já disponíveis.

Izolda Cela, secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), defendeu deixar o Fundeb fora do arcabouço fiscal durante o evento Reconstrução da Educação do Estadão, em maio. Mas ela alertou sobre a necessidade de melhorar o uso dos recursos. “Com o que se tem (de dinheiro), dá para fazer mais”, disse.

‘Há uma urgência de investimentos’

“É a confirmação de um cenário desafiador histórico da educação brasileira, com baixo nível de investimento por aluno, o que é incongruente com as nossas necessidades de desenvolvimento educacional e de desenvolimento socioeconômico”, diz o coordenador de Inovação e Políticas do Instituto Unibanco, Caio Callegari, sobre o relatório da OCDE.

Segundo ele, há um “abismo” entre o Brasil e outros países, ainda com redução de investimentos na pandemia, como mostrou o documento. “Isso nos traz um passivo ainda a cumprir. Há uma urgência de investimentos em recomposição das aprendizagens e na formação dos profissionais na educação”, completa.

Para a presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, essa insuficiência de investimentos em educação está muito relacioinada aos baixos salários dos professores e consequentemente à baixa atratividade da carreiram, já que boa parte dos gastos da educação são com docentes. “É preciso investir mais e melhor na formação inicial dos professores, hoje não formamos para a prática, muitas vezes porque investimos em formação precarizada, com educação a distância”, afirma.

Além disso, é preciso mais dinheiro para estrutura das escolas, com mais conectividade, livros atualizados para as bibiliotecas e recursos de tecnologia, diz. Para ela, políticas de fomento de escolas em tempo integral e de conectividade, anunciadas pelo governo federal, “vão na direção correta”.

“Precisamos de mais recursos e da discussão sobre a qualidade e efetividade do gasto em educação”, diz o consultor em educação e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, Alexandre Schneider. Para ele, o País dá sinais de que seguirá o caminho inverso, flexibilizando os investimentos obrigatórios na área. “Um sinal muito ruim, em especial para um País que não conseguiu garantir o direito à educação de qualidade para todos”, completa.

Já há pedidos na Justiça, por exemplo, para que pisos salariais de profissionais de educação não sejam cumpridos este ano – o salário mínimo da categoria é corrigido anualmente conforme lei federal.

O governo de São Paulo, da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), também tem proposta de para flexibilizar parte dos gastos hoje alocados na educação do Estado, baixando de 30% para 25% o piso do orçamento estadual investido em educação. Segundo o governo, o novo modelo não tiraria dinheiro das escolas porque os aposentados saíram da gastos da educação.

Entre os defensores da flexibilização dos patamares mínimos de gasto em educação, o argumento é de que o modelo deixa o orçamento engessado e pouco eficiente. No caso específico da educação, outra justificativa é de que a transição demográfica leva a uma redução do número de crianças e adolescentes, o que reduz a demanda de verba na área.

Grande parte dos educadores, porém, aponta que a redução da faixa jovem da população abre uma oportunidade para melhorar a qualidade das escolas, com mais formação docente e menos alunos por sala.

“O desafio brasileiro é bastante complexo porque é preciso garantir o investimento adequado por aluno, e que esse recurso seja destinado adequadamente, para a aprendizagem dos estudantes”, diz a diretora executiva do Instituto Penínusla, Heloisa Morel. Segundo ela, muitas vezes, os recursos são absorvidos por burocracias e ineficiências do sistema. “É preciso não só aumentar o investimento, mas fazê-lo de forma planejada e por meio de políticas públicas estratégicas e assertivas, com o entendimento de que o resultado será colhido não no curto prazo, mas sim num projeto de país a longo prazo.”