Saúde mental na 1ª infância: O segredo para uma infância feliz e saudável
Dia 21 de março é o Dia Mundial da 1ª Infância. Crianças precisam de tempo e espaço para brincar livremente para desenvolver autonomia e assegurar uma boa saúde mental? A resposta é um sonoro SIM, segundo educadores e estudos científicos.
Peter Gray, psicólogo, neurocientista e autor do livro “Free to Learn”, defende que a brincadeira livre é essencial para o desenvolvimento das crianças. “A falta de independência está por trás de crise de saúde mental em crianças de todo o mundo. Quando as crianças brincam livremente, elas desenvolvem sua criatividade, imaginação, habilidades sociais e emocionais”, explica.
Gray acredita que o excesso de proteção dos pais e a cultura do medo são grandes vilões que limitam a autonomia e a criatividade das crianças.
E as escolas são as instituições que têm o dever de garantir o pleno desenvolvimento das crianças na primeira infância. Em São Paulo, as escolas Tarsila do Amaral, Magno/Mágico de Oz, Nossa Senhora das Graças (Gracinha), Equipe, Centro Educacional Pioneiro e Carandá Educação defendem a mesma cartilha de Gray, e desenvolvem uma educação que propicia às crianças terem tempo e espaço para brincar livremente. Oferecem diversidade de materiais estruturados e não estruturados e espaços flexíveis que são adaptados conforme a imaginação infantil exigir.
Joana Elkis, coordenadora da educação infantil no Colégio Equipe, diz que os educadores que trabalham com os pequenos dão suporte para as iniciativas das crianças. “Ajudam a esticar o pano para fazer cabana, ou oferecem objetos que podem usar nas brincadeiras. Mas não existe protagonismo do adulto. Ele está próximo, para mediar conflitos, caso seja necessário, e acompanhar a brincadeira proposta pelas crianças como coadjuvantes”
No entanto, nem tudo são flores. O desafio do mundo contemporâneo é grande.
Educadora há mais de 30 anos, Patricia Bignardi, coordenadora da Escola Tarsila do Amaral, enxerga uma mudança drástica nas últimas gerações. “As crianças de hoje são muito inseguras para lidar com problemas, ou em situações que as façam sair da zona de conforto”, diz. Para a educadora, as famílias têm parcelas de culpa, pois a partir do momento que permitem os filhos ficarem vidrados em telas de televisão, tablets, computadores e celulares, tornando-se expert em jogos eletrônicos e apps, estas crianças estão deixando de viver a infância e não desenvolvem a imaginação e a criatividade, que são fundamentais para que possam se adaptar ao mundo e enfrentar situações novas.
“Vivemos em uma sociedade em que o tempo é muito corrido, com falta de espaço de natureza, muito mediada pelas questões mercadológicas. Tudo isso, faz com que o brincar, o tempo da criança, o tempo de construção dessa autonomia, dessa estruturação do ser da criança, fique também muito acelerado”, dizem as professoras Tatiana Garrido e Marina D’Angeles, do Gracinha. Segundo elas, as famílias precisam olhar para seus filhos com mais liberdade, para que acreditem em suas potências para fazerem as coisas.
Diretora do Colégio Magno, Claudia Tricate, afirma que a escola precisa formar os pais para que entendam que os tempos são outros. “As famílias têm de entender que a forma de aprender é outra. Que a independência e a autonomia precisam ser trabalhadas para que a vida acadêmica seja melhor. Os pais têm sempre a impressão de que protegendo as crianças, vão evitar coisas. E é verdade. Evitam que elas aprendam melhor, façam escolhas, resolvam questões. A leitura da criança, quando o adulto faz uma escolha por ela, é: “ele está fazendo por mim, pois sabe que não vou conseguir”.
Para Simone Devito Burse, orientadora educacional do Gracinha, a criança aprender a lidar com frustração é uma habilidade emocional fundamental, caso contrário, se tornarão adultos muito frágeis, que não entenderão que isso constitui a vida e está tudo bem, só precisa ultrapassá-la para continuar.
Do outro lado, explica Simone, “observamos famílias que por vezes ficam muito distantes, até ausentes, tendendo a terceirizar as crianças por exemplo, o que também consideramos que pode fragilizar a saúde mental de forma significativa”.
Uma das estratégias utilizadas pelas instituições escolares, é convidar especialistas de áreas que envolvem a primeira infância, para conversarem com as famílias. Como as escolas formam os pais?
A escola Carandá Educação implantou o projeto “Diálogos Amorosos”, que leva mensalmente profissionais para compartilhar e suscitar reflexões com as famílias e com os educadores da escola, além das assembleias e reuniões temáticas.
“Este mês o Giuliano Tierno, filósofo e pesquisador da infância e da palavra, irá discutir as ideias de limite e de autoridade”, conta a coordenadora pedagógica, Denise Pinhas.
No Centro Educacional Pioneiro, Magno,Tarsila, Equipe e Gracinha, a estratégia de levar especialistas para conversar com as famílias também acontece, além de estimular rodas de conversa entre os pais. O Pioneiro também promove cafés da manhã entre as famílias e a coordenação pedagógica.
“São nesses momentos que conversamos com as famílias e expomos a preocupação com a saúde mental das crianças, e de que forma a família pode ajudar”, conta a coordenadora da educação infantil do Pioneiro, Debora Martins.
No Magno, são as reuniões temáticas entre famílias e educadores que têm esse objetivo. “É um momento de muita mobilização dos educadores em torno disso, especialmente, com o desenvolvimento de competências socioemocionais visando a saúde mental”, diz Tricate.
Para o diretor do Centro de Inteligência Emocional da Universidade de Yale, Marc Brackett, em entrevista ao Jornal El País, um adulto não pode ensinar uma criança a administrar suas emoções se ela não se conhecer e não estiver bem.
“Abrimos espaço para que as crianças possam dizer “estou com raiva”, “não gostei”, “estou triste”. É importante para que a gente fortaleça nossas relações. As crianças começam a entender que falar dos sentimentos não é proibido”, conta Debora Martins, do Centro Educacional Pioneiro.
Uma das estratégias utilizada pelo Colégio Equipe para dar autonomia aos pequenos, é sair com eles pelas ruas do bairro. “ Em duplas, eles atravessam as ruas e não necessitam que um adulto os pegue pelas mãos. Os educadores estão atentos, mas eles são os protagonistas daquela ação”, conta Joana Elkis, coordenadora do infantil.
Como o Equipe, as demais escolas também utilizam estratégias que propiciam às crianças o desenvolvimento para uma autonomia saudável e garantem tempo e espaço para a brincadeira livre, contribuindo para o desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional das crianças. E todas afirmam que a parceria entre escola e família é fundamental para que as crianças se tornem adultos felizes e realizados. A educação é de mão dupla!