Nos últimos anos da primeira metade da década de 70, fui aluno de Literatura Latina da Profª. Dra. Zelia de Almeida Cardoso. Inesquecíveis a avassaladora serenidade irradiada dos olhos indefiníveis para mim entre verdes e azuis, e a discreta ironia quase imperceptível com que se analisava a motivação supersticiosa do comportamento das personagens de Plauto.…
Nos últimos anos da primeira metade da década de 70, fui aluno de Literatura Latina da Profª. Dra. Zelia de Almeida Cardoso. Inesquecíveis a avassaladora serenidade irradiada dos olhos indefiníveis para mim entre verdes e azuis, e a discreta ironia quase imperceptível com que se analisava a motivação supersticiosa do comportamento das personagens de Plauto.
Ao longo da década de 90 e seguintes, fui colega da Profª. Dra. Zelia de Almeida Cardoso no Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas. Logo de início e em condições adversas e involuntárias guindado a coordenador do programa, constatei e verifiquei que, de todos os meus conhecidos, ninguém estava mais próximo e participava mais da deusa Palas Atena, filha de Zeus, do que a Profª. Zelia.
Palas Atena é a deusa que se manifesta na sabedoria prática, no saber fazer. O seu epíteto épico é glaukôpis, traduzido “de olhos de coruja” ou “de olhos glaucos”. Walter Friedrich Otto, em seu livro Os Deuses da Grécia, explica o sentido teológico desse epíteto: glaukós (“glauco”) é o verde brilhante da folha de oliveira, do mar ou dos astros; a coruja, glaûx, em grego, se nomeia segundo o brilho do olhar; e glaukôpis descreve, pois, a argúcia do olhar que vê com clareza o fim a ser alcançado e os meios de consegui-lo. Palas Atena é uma das três Deusas virgens da mitologia grega, porque nenhuma sedução pode distraí-la, nem a afastar do fim que se propõe, nem dos meios para consegui-lo; só a vitória lhe diz respeito e lhe convém.
Naqueles anos precários e difíceis (como soem ser todos os anos), pude salvar da desaparição o Programa e levar a bom termo a coordenação por um decênio, graças à presença prestativa da Profª. Zelia que, com avassaladora serenidade do olhar e com discreta ironia quase imperceptível, me deu todo o auxílio e todos os conselhos necessários e eficazes para tirar o pé do pântano e levar a marcha em frente.
José Antônio Alves Torrano
Professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP