Valorização dos professores: compromisso e esperança
Segundo o último Censo da Educação Superior de 2022, mais da metade dos alunos das licenciaturas desiste dos cursos destinados à formação docente, antes mesmo de concluí-los
Artigo publicado no Nexo em 07/05/2025
Talvez nenhum outro consenso seja tão repetido quanto aquele que se refere à importância do papel dos professores para uma educação de qualidade. No entanto, (segundo pesquisa da Plataforma Onlinecurriculo) embora seja uma das profissões mais desejadas na infância, entre o sonho de criança e a realidade das escolas, é cada vez menor o número de jovens que optam por essa carreira. Isso porque — na prática — estamos muito longe de valorizar esses profissionais. Afinal, em uma sociedade capitalista, reconhecimento significa necessariamente remuneração e condições de trabalho dignas: dois aspectos que — infelizmente — não fazem parte da realidade de muitos educadores no país.
Segundo o último Censo da Educação Superior de 2022, mais da metade dos alunos das licenciaturas desiste dos cursos destinados à formação docente, antes mesmo de concluí-los. Se mantivermos esse ritmo, em 15 anos não teremos professores suficientes para atender às demandas da Educação Básica no Brasil. E os números são ainda mais alarmantes quando se trata dos educadores dos demais segmentos. A preferência pelos cursos de bacharelado tem esvaziado as escolas dos professores especialistas. E não só os jovens têm procurado outras carreiras, os profissionais em exercício também têm abandonado as escolas. De acordo com uma pesquisa realizada, em 2024, pelo Instituto Semesp — entidade que representa mantenedoras de Ensino Superior do Brasil —, os baixos salários e a falta de perspectiva de carreira, somados aos transtornos psicológicos causados por uma rotina difícil, são alguns dos principais motivos que levam os professores a desistirem da profissão.
Para quem acompanha o dia a dia das salas de aula no país, esses dados, embora alarmantes, não impressionam: formação inicial deficiente, classes lotadas, jornadas exaustivas, pouco tempo para estudo e remuneração defasada — quando comparados aos de outros profissionais com a mesma qualificação — somados à difícil tarefa de atuar em uma escola em crise. Em uma sociedade à beira de um colapso, têm sido cada vez maiores e impossíveis as missões impostas a essa instituição e, consequentemente, aos profissionais que nela atuam. Desde o já previsto conhecimento para lidar com os conteúdos de cada componente curricular, passando pelo trabalho socioemocional para atender às demandas de uma infância cada vez mais diagnosticada e medicada, além da necessidade de um letramento digital para lidar com os desafios de uma geração hiperconectada: são muitas as competências exigidas desse profissional. Isso sem falar no tempo dedicado à preparação das aulas, preenchimento de relatórios, alimentação de dados nas plataformas digitais e mais uma série de atividades que vêm sendo incorporadas à atuação docente, sem que isso signifique uma ampliação da carga horária de trabalho remunerado. E considerando que, especialmente na Educação Básica, mais de 70% dos profissionais são mulheres responsáveis pelo sustento financeiro da família, o cenário torna-se ainda mais crítico.
Para quem acompanha o dia a dia das salas de aula no país, esses dados, embora alarmantes, não impressionam: formação inicial deficiente, classes lotadas, jornadas exaustivas, pouco tempo para estudo e remuneração defasada — quando comparados aos de outros profissionais com a mesma qualificação — somados à difícil tarefa de atuar em uma escola em crise
Para responder a alguns desses desafios, o governo federal lançou, no início deste ano, o Programa Mais Professores, com o objetivo de valorizar e incentivar a atuação docente. Dentre as iniciativas apresentadas pelo Programa, destacam-se o “Pé-de-meia licenciaturas”, bolsa mensal para estudantes do Ensino Médio com pelo menos 650 pontos no Enem que optarem pela licenciatura no Ensino Superior; a “Prova Nacional Docente”, prova anual realizada pelo Inep seguindo a matriz do Enade das Licenciaturas; o “Bolsa Mais Professores”, que prevê uma remuneração adicional aos profissionais que ingressarem em redes prioritárias com carência de professores; e o “Portal de Formação Docente”, um repositório online com oferta de cursos gratuitos elaborados por instituições parceiras.
Embora represente um marco na valorização da profissão docente, ainda será preciso observar e acompanhar como essas políticas serão implementadas e seus efeitos práticos na qualidade da atuação desses profissionais e, consequentemente, nos resultados de aprendizagem dos alunos. Além disso, apesar dos incentivos ao ingresso e permanência na carreira e na formação docente, o programa não toca em questões fundamentais: o que se espera da educação em nosso país?
Sim, porque, quando se trata de falarmos do profissional responsável por uma das tarefas mais importantes da nossa sociedade, cabe-nos perguntar qual é a educação que desejamos para nossas crianças. Que valores, habilidades e conteúdos são fundamentais para a formação da sociedade que desejamos? Quem deve ser o professor que queremos? Que competências precisa desenvolver? Que conhecimentos sobre os processos de ensino e aprendizagem deve compreender, considerando uma escola que atenda a todas as crianças? E principalmente, que condições didáticas, emocionais, espaciais, sociais e salariais serão oferecidas para que esse profissional consiga atuar com a qualidade desejada?
São muitas perguntas e todas têm sua gênese em um projeto de futuro. Respondê-las nos permite a ousadia de sonhar um país possível, com igualdade de oportunidades para todas as pessoas e com uma educação desenvolvida por profissionais altamente qualificados e socialmente valorizados, que tenham as suas condições de trabalho e saúde garantidas, com um salário correspondente à importância das esperanças que lhes depositamos.
E, enquanto a responsabilidade desse projeto estiver apenas sobre os ombros daqueles que atuam na escola, estaremos repetindo uma história já conhecida de fracasso. É preciso que entendamos que a educação dentro das instituições educativas é uma tarefa para profissionais. Mas fora delas é uma causa que precisa ser assumida pela sociedade, com a urgência e o compromisso de todos.
Denise Guilherme é educadora com 30 anos de experiência na Educação Básica e na formação de professores. Doutoranda em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, é coordenadora do curso de pós-graduação Literatura para Crianças e Jovens no Instituto Vera Cruz. Fundadora da A Taba, empresa especializada em curadoria de livros e formação de leitores.