Pesquisar a produção artística produzida no isolamento social e usar a arte como expressão dos sentimentos são bons caminhos para ensinar e acolher
As manifestações artísticas de todos os gêneros são alívio, escape e entretenimento em qualquer tempo. Durante o isolamento social livros, filmes, lives de música, peças de teatro pelo computador ou visitas virtuais a museus ganharam nova importância. Embora não substituam as vivências do mundo real, o universo digital pode ser um novo campo de exploração para o trabalho com as artes no Fundamental 2.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) afirma que é preciso assegurar aos alunos a ampliação de suas interações com manifestações artísticas e culturais de diferentes épocas e contextos. Diz, ainda, que essas práticas podem ocupar os mais diversos espaços da escola, espraiando-se para o seu entorno e favorecendo as relações com a comunidade. Mas como promover essa aprendizagem tendo como recurso apenas a tela do computador ou do celular? E como usar a arte para acolher as emoções, a matéria-prima da expressão, num cenário de medo e incertezas?
“A arte está relacionada aos processos de vida. Assim, reflete as situações vivenciadas de maneira individual e coletiva”, afirma Camila Rossato, professora do Fundamental 2 na EMEF Profª. Marina Melander Coutinho, na capital paulista, e vencedora do Prêmio Educador Nota 10 em 2019.
Camila defende que a escola é o lugar do encontro, então a primeira dificuldade é reconfigurar esse sentido e adaptá-lo às novas condições. “Quando se trata da Arte, o contato com os materiais expressivos e o fazer coletivo são desafios particulares”, reforça. Aí entra a ideia de incluir imagens e ideias que compõem o cotidiano dos estudantes. Por exemplo: eles podem narrar imagens, texturas, cheiros, sons, sabores que percebem no seu entorno. Isso pode ser transformado em registros variados e compartilhados oralmente ou por meios digitais.
Para Ana Tatit, que ministra aulas de artes no curso de Pedagogia no Instituto Singularidades e coordena o curso de pós-graduação “A Arte de Ensinar Arte”, é possível replicar no on-line atividades que antes seriam presenciais, como peças de teatro, saraus e apresentações musicais, inclusive envolvendo mais de uma turma. Ela também sugere estimular os alunos a explorarem o universo que os cerca, ainda que ele seja limitado à casa e à internet.
A educadora indica, ainda, propor pesquisas sobre as novas formas de fazer arte, como as lives de música e o teatro on-line. Nas Artes Visuais, é possível buscar artistas plásticos que estão produzindo sobre este momento, como grafites e intervenções urbanas. “É uma linguagem muito atual e que conversa com os jovens. Propor um trabalho com esse tema é importante porque não é possível desvincular o ensino da arte do momento atual”, explica. Com o impedimento do trabalho de campo, o Google Street View pode ser usado para mapear regiões da cidade ou ainda pesquisar a arte de rua de cidades do mundo inteiro. A partir da pesquisa, os alunos podem criar sua própria arte com materiais simples, como papelão, tinta e canetinhas, e expor em uma espécie de “galeria virtual”. Na aula síncrona, os alunos mostram seus desenhos para as câmeras. “Uma coisa bonita é que a gente expõe nas janelinhas, bem próximas às câmeras, e tira uma foto. Se torna um zoom bonito, colorido, como se fosse um mural”, afirma. A exposição pode acontecer, ainda, por um perfil da turma ou da escola nas redes sociais.
Camila vê na arte a vantagem de tratar-se de um campo vasto de possibilidades de criação. Assim, é possível misturar as diferentes linguagens num diálogo para captar o momento atual. “Um slam virtual, uma música-manifesto, desenhos que traduzem sentimentos, fotografias de detalhes do cotidiano. É convocar os olhares artísticos para encarar a crise que vivemos, pois a arte pode ser um respiro em meio às dificuldades”, sugere.
Além do olhar para as novas formas de expressão artísticas que surgiram com a pandemia e o isolamento social, trabalhar arte na escola também tem o papel de acolher, já que por meio dela se expressam sentimentos e emoções. “O acolhimento pela arte pode estar na maneira como ela é encarada”, reflete Camila. Segundo a professora, em muitos momentos a arte é vista como algo distante da vida, mas os professores podem estimular os sentidos para percepção de que somos rodeados pelas formas dos objetos, por construções que observamos, que existe arte nas conversas despretensiosas, na disposição de ouvir uma música nova ou no ato de simplesmente contemplar. “Acolher é dar abrigo, então devemos proteger como cada um sente e percebe a arte”, conclui.