Por Paulo Blikstein
Quem trabalha com educação precisa ser um farejador da análise do discurso de que o ensino híbrido é a grande inovação das escolas pós-pandemia. Não é. Precisamos enxergar o que tem por trás desta narrativa. O discurso muitas vezes é criado pelo antagonista, ou seja, a partir de tudo que a escola tem de ruim, ele constrói seu produto.
Para defender a educação a distância ou remota, o antagonista fala que a escola é antiga, tradicional, massificadora e que o professor é antiquado. Outra construção é a de que a escola não dá oportunidade para o aluno no seu próprio ritmo, que ele tem que seguir o ritmo do professor.
Após este diagnóstico (errado), o antagonista passa então a vender um produto absolutamente genial, inovador, incrível e que vai revolucionar a educação. É um vídeo na internet! Se o aluno não entendeu a aula, ele pode voltar e assistir quantas vezes quiser. Nossa, que invenção! Mas o vídeo foi inventado há mais de 40 anos!
O ensino remoto é uma medida emergencial, não é uma inovação. A inovação é quando o professor, ao invés de dar uma aula expositiva de ciências, faz um experimento de ciências; ao invés de ensinar história como uma sequência de fatos e datas, o professor ensina de uma forma problematizadora, dialógica e dialética. A inovação na educação acontece quando a pedagogia muda, quando a concepção de ensino muda. O ensino sempre será inovador se a pedagogia for excelente.
Na primeira metade do século 20, vendeu-se a ideia de uma grande inovação na educação: o livro didático. O discurso dizia que ele permitia ao aluno estudar no próprio ritmo e não no ritmo da sala de aula, da aula expositiva. O livro didático iria libertar os alunos das amarras da opressão da sala de aula. E o que aconteceu? O livro didático foi absorvido pela aula tradicional e pelo sistema escolar e virou mais uma ferramenta de ensino.
Então, quando o discurso do antagonista vende a ideia de que estas novas tecnologias irão revolucionar o ensino, desconfie. Se a tecnologia não vier acompanhada de uma nova teoria educacional e pedagógica, de uma teoria de emancipação pela educação, elas serão simplesmente incorporadas nos sistemas que já existem.
Temos de ter muito cuidado nesse momento, para não se deixar enganar por essa ideia de que a educação digital é a inovação. Educação digital pode ser só uma nova forma de fazer a mesma coisa e, muitas vezes, pior.
Nesta pandemia, ficamos sabendo que 32% das crianças não têm acesso à internet. Mesmo os que tem acesso, tem dados limitados no celular ou precisam dividir o celular com a família. Muitas vezes a família toda mora em um cômodo. Então, como três crianças vão assistir aula ao mesmo tempo, no mesmo cômodo, durante quatro horas. Por vídeo?
Era óbvio que essa transição do ensino presencial para o remoto não iria dar certo. A internet não vai cair milagrosamente do céu para todos.
Não adianta esperar sentado ouvindo “a gente não tem Internet”, “ as crianças não tem celular, não tem computador”, “a gente não tem o professor treinado para fazer a transição”. Temos que pensar e agir para termos internet de banda larga em todas as escolas públicas, um banco de computadores para emprestar para as crianças, um banco de celulares para os alunos. A missão mais nobre é preparar o Brasil para que nenhuma criança perca uma aula.
Nosso esforço número 1 como Nação não é pagar juros para os bancos, nosso esforço número 1 é ter um ensino de qualidade para todas e todos.
Paulo Blikstein é professor do Teachers College, Universidade de Columbia e professor associado ao ciências da computação no mesmo departamento, pesquisando como as novas tecnologias podem transformar a aprendizagem da ciência, engenharia e matemática. Blikstein criou os primeiros FabLabs e Makerspaces educacionais do mundo, e foi pioneiro no campo da mineração de dados multimodais e de learning analytics. Ele também dirige o projeto FabLearn, que dissemina a educação maker em 22 países. Engenheiro pela Poli-USP, mestre pelo MIT Media Lab e doutor em Ciências da Aprendizagem pela Northwestern University, Blikstein recebeu o National Science Foundation Early Career Award e o AERA Jan Hawkins Early Career Award.