O surgimento de discussões antirracistas dentro das escolas particulares está desenvolvendo uma educação transformadora. A geração de estudante está cada vez mais ligada as redes sociais, onde não há filtro para o racismo ou até mesmo para a militância. O uso exacerbado da internet demanda uma discussão mais profunda sobre determinados temas, como por exemplo “lugar de fala”.
Escolas particulares de São Paulo criaram movimentos voltados para o debate acerca da temática racial no Brasil e para a inserção dos alunos nesses espaços de discussão. Na escola Nossa Senhora das Graças, o Gracinha, mães, pais, professoras(es) e outros funcionárias(os) criaram o movimento “Gracinha Antirracismo”, que tem como principal objetivo o letramento racial da comunidade escolar.
Existe um trabalho específico para abordar temas antirracistas em uma escola formada majoritariamente por brancos. “O trabalho de humanização do negro é fundamental, temos que fazer também com que esse aluno branco reconheça sua branquitude. Para esse aluno temos que falar sobre a branquitude e os privilégios que ela carrega. Os meus alunos, brancos, ricos, não tem culpa da existência de alunos negros pobres e sem condição mínima de sobrevivência. Como o aluno branco pode auxiliar no combate ao racismo estrutural? Existe um mínimo que pode ser feito, no microuniverso que aquele aluno branco vive. Eles podem ser formadores de opinião na humanização dos negros” diz Mildred Sotero, professora do Gracinha e participante do movimento “Gracinha Antirracismo”.
O colégio Equipe, um dos pioneiros do movimento antirracista em escolas particulares, fundou o movimento “Comissão Antirracista Equipe”. Formado por pais e mães de alunos, o movimento busca um espaço para a educação antirracista. “Entendemos que o papel de uma escola antirracista é promover uma reparação histórica aos negros e negras do país, promovendo ações que empoderem crianças e jovens negros para se defenderem contra o racismo estrutural; conscientizem as crianças e jovens brancos de que são detentores de privilégios e que esses privilégios são distorções que permitem a perpetuação do racismo. Portanto, o fim dos privilégios da branquitude é fator de mudança social, essencial para o fim do racismo, para promover uma educação que retire a visão eurocêntrica do centro e amplie e inclua outros conhecimentos no currículo – epistemologia africana, indígena, asiática”, diz o grupo.
Djamila Ribeiro, filósofa, escritora e uma das principais vozes do feminismo negro no Brasil diz em seu livro – O que é lugar de fala – mais sobre esse conceito amplamente usado atualmente e como ele se aplica entre os jovens. “Acredito que muitas pessoas ligadas a movimentos sociais, em discussões nas redes sociais, já devem ter ouvido a seguinte frase “fique quieto, esse não é seu lugar de fala”.
Para Mildred, que é negra e vive no meio de brancos há muito tempo, existe uma visão superficial do que é lugar de fala. “Nessa visão se diz que quem tem que falar de racismo são os negros, pois são eles que sofrem o racismo. E a quem diga que esses negros têm de ser ouvidos, quando o assunto é racismo”, diz. Mildred diz que os negros devem ser ouvidos e considerados, principalmente ao que relatam sobre suas vidas, e ao que eles sentem, porque tem coisa, segundo ela, que só o negro passa e sente.
“Mas temos que entender também, que não é porque a gente é negro que a gente sabe a história inteira da África, que a gente vai saber discursar lindamente contra o racismo e contra o preconceito”, destaca.
Segundo ela, o negro também pode ser influenciado pelo racismo. “Nós que somos negros as vezes temos a dificuldade de nos aceitar como negros, pois nem sempre uma pessoa negra é querida dentro da sociedade brasileira. É difícil você se identificar com que não é bonito, com quem não é inteligente, com quem não é capaz, com quem não tem iniciativa” afirma.
A professora conta que acredita muito na educação antirracista e destaca a importância sobre o banco de currículos de professores negros que já circula pelos departamentos de recursos humanos das escolas particulares. “Aos poucos a sociedade está se estruturando para colocar o negro em um lugar de igualdade e é justamente esse o papel da educação antirracista, de remar nesse sentido, desvelar o racismo e destruir o mito da democracia racial no Brasil”, afirma.
Ela ressalta que ainda existem pessoas que acreditam que não existe racismo. “O racismo existe e precisa ser combatido em todas as suas instâncias por todas as pessoas e organizações possíveis. Precisamos desvincular a imagem do negro da imagem apenas da escravidão. Estudar a história do povo negro, que foi o último da história a ser escravizado. Temos que entender o mecanismo que relaciona escravidão a negritude, e isso ajuda a gente a desconstruir. A educação antirracista precisa dar luz a isso, a história da África antes dos europeus chegarem ali e a história do negro antes de ser escravizado”, ensina.