Tecnologia na educação não é só na pandemia

Transformação digital não deve ser mais um fator de exclusão educacional

O uso das tecnologias será um dos principais legados da pandemia de covid-19 para a educação brasileira. Mesmo com a reabertura das escolas, as ferramentas utilizadas durante o ensino remoto continuarão apoiando as aulas e proporcionando novas interações entre estudantes e professores. A crise permitiu acelerar a transformação digital, discutida há décadas, e hoje precisamos oferecer meios para que a tecnologia não seja mais um fator de exclusão educacional.

A implantação de políticas públicas que visam o acesso à internet para a educação brasileira deve ser urgente e permanente para reverter o preocupante retrato da exclusão digital dos estudantes. Este é, aliás, um direito já firmado na legislação por meio da Lei 14.109, de 2020, que estabelece como meta que todas as escolas públicas estejam conectadas à internet de alta velocidade até 2024. Entretanto, o acesso à rede no Brasil é de apenas 61%, índice que cai para 45% na região Norte.

A escola de antes da pandemia não existe mais. E a do futuro deve garantir uma educação com mais equidade

Além disso, faltam equipamentos. A maioria dos alunos (84%) usa o celular para conexão e 40% ainda precisam dividi-lo com outra pessoa da família. Os dados são da última pesquisa Datafolha sobre educação não presencial na visão dos estudantes e famílias, encomendada pelo Itaú Social, Fundação Lemann e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Segundo o levantamento, apenas 3% dos estudantes receberam doações de equipamentos ou pacote de dados do governo ou de outras entidades. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o investimento de R$ 3,5 bilhões para a contratação de serviço de internet e compra de equipamentos (celulares e tablets). A lei 14.172/21, que teve veto do governo federal derrubado pelos parlamentares, sofre nova tentativa de suspensão, agora por meio de ação direta de inconstitucionalidade impetrada pela AGU (Advocacia Geral da União). O STF (Supremo Tribunal Federal) ampliou o prazo do repasse, que deveria ter sido em 10 de julho, para mais 25 dias, para que haja tempo para o Supremo reavaliar o processo ao retomar suas atividades.

Independentemente de qual seja o desfecho deste cabo de guerra, a lei chega com atraso para mais de 4,3 milhões de brasileiros que entraram na pandemia sem internet e sem conseguir acesso às aulas on-line, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Importante lembrar ainda que, caso sejam liberados, os recursos deverão
ser repassados aos estados em 30 dias, em parcela única, para que atuem em colaboração com os municípios. Se não forem aplicados até o dia 31 de dezembro, precisarão ser devolvidos aos cofres da União.

A mobilização em torno da transformação digital na educação vem ganhando tração no debate político como uma das prioridades da agenda legislativa neste ano. Os parlamentares aprovaram, por exemplo, projetos de lei que dispõem sobre a Piec (Política Nacional de Inovação e Educação Conectada) e a destinação de 18% dos recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para acesso à internet nas escolas públicas. Em 02 de julho, o governo federal sancionou a Lei 14.480/21, relativa à Piec.

Como destacado no relatório “Tecnologias para uma educação com equidade”, do Todos Pela Educação, Dados para um Debate Democrático na Educação (D3E) e Transformative Learning Technology Laboratory (TLTL), não podemos mais discutir se a tecnologia deve estar na escola, mas como isso deve acontecer. O documento mostra que ações isoladas, como a compra de notebooks ou contratação de uma plataforma, têm alcance limitado como política pública. Garantir recursos com equidade e transparência; promover a formação e apoio aos profissionais de educação; proteger dados de alunos e educadores; e criar um fórum para o desenvolvimento de um plano nacional de tecnologia educacional são as quatro dimensões essenciais para as novas políticas.

A entrada das tecnologias da informação e comunicação há tempos é ponto nevrálgico para educadores. Ovide Decroly, John Dewey, Cèlestin Freinet, Anísio Teixeira e Paulo Freire já discutiam a potencialização do papel ativo de estudantes e a necessidade de um olhar mais integral nessa formação. Os principais atores da transformação digital são os professores, mas para isso precisamos oferecer formação continuada que promova familiaridade com as ferramentas e os permita explorar todos os caminhos que elas possibilitam.

Um exemplo interessante é o da professora de Língua Portuguesa Andrea Borges, da rede estadual de São Paulo. Em relato ao site Porvir, ela conta que, após participar de um curso sobre gamificação, criou um jogo virtual para o ensino dos parágrafos na escrita. Mesmo durante a pandemia, a atividade conseguiu bom engajamento dos seus alunos e alunas, que ficaram entusiasmados com os desafios e com os personagens de cada fase do jogo.

É importante destacar que a cultura digital é tema da competência nº 5 da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que propõe ao estudante dominar as habilidades ainda no ensino fundamental, sendo capaz de fazer uso qualificado e ético das diversas ferramentas existentes, assim como compreender o pensamento computacional e os impactos da tecnologia na vida das pessoas e da sociedade. Quando falamos de cultura digital, não queremos restringi-la aos laboratórios de informática, como pensávamos antigamente. Queremos inserir a tecnologia em todas as áreas, como fez a professora Andrea na aula de Língua Portuguesa, e ainda, trabalhar conceitos fundamentais como o combate ao cyberbullying e checagem de fatos para coibir as fake news.

A necessidade de incluir os estudantes digitalmente já era uma demanda antiga, que ficou mais evidenciada durante a pandemia. Ampliar o acesso à internet e promover o letramento digital são os primeiros passos de uma transformação que envolva a todos. Como sociedade, temos que intensificar os esforços nesse sentido. A escola de antes da pandemia não existe mais. E a do futuro precisa garantir que os aprendizados dentro deste novo formato sejam propulsores de uma educação com mais equidade.

Angela Dannemann é superintendente do Itaú Social

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/tecnologia-na-educacao-nao-e-so-na-pandemia.ghtml

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