Especialistas reforçam que o avanço da vacinação é determinante para conter a variante, mas a imunização não dispensa o uso de máscara.
No Brasil, os 26 estados e o Distrito Federal estabelecem o uso de máscara obrigatório nas escolas. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo G1, essa é uma das regras fundamentais para tentar frear a circulação da Covid-19, incluindo as suas variantes, como a delta, e impedir o aumento de casos.
Nos Estados Unidos, por outro lado, não há um consenso: por questões políticas, cerca de 20% dos estados americanos chegam até a proibir que uma instituição de ensino exija o uso da máscara, segundo levantamento do “New York Times” (veja mais abaixo).
Considerando que a variante delta, mais transmissível, já é responsável por mais de 99% das contaminações registradas nos EUA, o risco de novos surtos nas escolas torna-se ainda maior. As aulas estão sendo retomadas ao longo de agosto e setembro.
Nesta reportagem, você vai ver que:
a adesão do uso de máscara entre os jovens é grande, mostra pesquisa nacional “Juventudes e a pandemia do coronavírus”, divulgada em maio de 2021;
o Ministério da Educação não determinou protocolos sanitários para volta segura das aulas presenciais no Brasil;
mas os governos estaduais definiram protocolos rigorosos em seu território.
Surto de Covid-19 entre crianças
Desde julho, os Estados Unidos registraram um aumento exponencial de casos de Covid entre as crianças, que agora representam 29% das ocorrências da doença no país, de acordo com levantamento da Academia Americana de Pediatria (AAP).
De 22 de julho a 9 de setembro, quase 5,3 milhões de crianças testaram positivo para o vírus, maior número desde o início da pandemia.
Só nas últimas duas semanas do período de levantamento da AAP, o número cumulativo de casos infantis de Covid subiu 10% desde o início da pandemia. Autoridades locais devem acompanhar o retorno às aulas presenciais em alerta pela possibilidade de novo aumento.
Governos negacionistas
Nos EUA, há um embate entre republicanos e democratas em relação à estratégia de combate à pandemia. O presidente Joe Biden (Democrata) defende a vacinação e os protocolos não-farmacológicos de prevenção, como o uso de máscara, mas as decisões dos governos municipais e estaduais, vários deles liderados por republicanos, que acabam tendo um peso maior.
“Existe uma resistência por parte dos republicanos. O ex-presidente Trump, no ano passado, se recusava a usar máscara em público, por exemplo”, afirma o biomédico Vitor Mori, pesquisador da Universidade de Vermont (EUA).
É o caso da Flórida, estado governado pelo republicano Ron DeSantis, que, de olho nas eleições de 2024, adotou uma campanha agressiva contra a obrigatoriedade do uso de máscaras nas escolas.
No Brasil, ao longo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou de manifestações e eventos públicos sem a proteção devida – foi mais de 7 vezes multado por isso em São Paulo. Ele também defende publicamente o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid.
No entanto, mesmo prefeitos e governadores alinhados com o governo federal impõem o uso de máscara nas escolas. Santa Catarina, cujo governador é Carlos Moisés (PSL), é um deles.
Outro ponto a favor do Brasil é a alta adesão entre os estudantes ao uso da máscara. Segundo a pesquisa nacional “Juventudes e a pandemia do coronavírus”, divulgada em maio de 2021, 9 em cada 10 entrevistados disseram usar máscara em ambientes públicos (como mercados, farmácias e transporte), mesmo quando não viam ninguém por perto.
O estudante Gabriel Oliveira dos Santos, de 15 anos, é um desses jovens. Ele não abre mão de usar máscara, especialmente durante as aulas presenciais na Escola Estadual Professora Therezinha Sartori, em Mauá (SP), onde cursa o 9º ano. “Eu fico de máscara o tempo todo e sempre levo outras duas ou três para trocar ao longo do dia”, conta.
Ele tem frequentado as aulas presenciais em escala de revezamento há quase dois meses e diz que não viu ocorrência de aglomeração ou alunos desrespeitando as orientações.
“Todo mundo respeita, fica de máscara e usa álcool em gel”, diz.
A professora Marcia Cristina Araújo, que dá aulas para o Infantil 4 (alunos de 4 a 5 anos) da escola privada Tarsila do Amaral, na zona norte de São Paulo, diz que o cenário é parecido mesmo entre os alunos mais jovens.
“As crianças da minha turma permanecem de máscara do começo ao fim do dia, realizamos trocas ao longo das refeições e nós, adultos, também trocamos nossas máscaras para servir de referência”, relata.
Não é que os protocolos sanitários adotados pelo Brasil sejam impecáveis: infectologistas e educadores avaliam que houve uma falta coordenação nacional na definição das regras. Também apontam que não houve distribuição de máscaras PFF-2 (mais filtrantes) a todos os professores e a testagem não foi ampla e frequente, critérios importantes como ventilação do ambiente ficaram em segundo plano.
Protocolos adotados nas escolas brasileiras
Em agosto, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde lançaram em parceira uma segunda edição de um guia com orientações para a retomada das atividades presenciais nas escolas de educação básica.
O documento traz uma série de sugestões de cuidados, como higienizar as mãos, usar máscara e manter o distanciamento social, mas não determina a obrigatoriedade dessas regras.
Ainda assim, os estados respeitaram, na maioria dos casos, os protocolos acima. Levantamento publicado pela Rede de Pesquisa Solidária em julho analisou decretos, portarias, comunicados e documentos de divulgação de protocolos. O resultado mostrou que 24 unidades federativas tiveram desempenho superior ao do governo federal na adoção de medidas preventivas contra a Covid.
Ficaram abaixo da média apenas Rio de Janeiro, Roraima e Amapá.
A pesquisadora Lorena Barberia, professora do departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo (USP) e uma das responsáveis pelo levantamento, avalia que o MEC poderia ter tipo um papel fundamental na definição de orientações mínimas.
“As recomendações do governo federal e do Ministério da Educação ficaram abaixo daquelas que foram estabelecidas pelos governos estaduais, e ainda foram definidas mais tardiamente”, afirma.
Protocolos nos Estados Unidos
Nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) — equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil — recomenda que as aulas presenciais sejam retomadas a partir de setembro. O órgão indica que as máscaras devem, sim, ser usadas em lugares fechados por estudantes dos 2 aos 17 anos, professores e visitantes independentemente do status de vacinação.
No entanto, segundo o levantamento do “New York Times”, 9 estados americanos proíbem que as escolas exijam o uso da máscara: Arizona, Arkansas, Iowa, Oklahoma, Flórida, Carolina do Sul, Tennessee, Texas e Utah.
Estados como a Califórnia, Connecticut, Delaware, Havaí, Illinois, Louisiana, Nevada, Nova Jersey, Oregon e Washington (e o Distrito de Columbia) decidiram adotar todos os protocolos recomendados pela CDC.
Os demais 31 estados deixaram a decisão sobre o uso de máscaras para os pais e distritos escolares — divisões responsáveis pela administração das escolas localizadas em determinada região.
Não há, até o momento, pesquisa que rebata a importância do uso de máscaras ou que sinalize que o uso contínuo cause qualquer dano à saúde. Ao contrário, especialistas reforçam que usar máscara protege contra Covid-19 e não causa intoxicação ou compromete a oxigenação do sangue.
Por que a máscara é tão importante?
“As máscaras são efetivas contra todas as variantes e para todos os grupos populacionais, quer sejam crianças, adultos ou idosos”, explica Marcelo Otsuka, pediatra e infectologista que coordena o Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Um estudo internacional publicado na revista “Science” comprova o que foi explicado acima. Os cientistas ainda foram além: depois de analisarem as máscaras cirúrgicas e as de alta filtragem (como a N95/PFF2), concluíram qual tipo seria mais adequado para determinada ocasião.
A pesquisa diz ainda que:
as máscaras mais avançadas são necessárias em ambientes fechados, como centros médicos e hospitais, que podem ter alta concentração de vírus;
a proteção é maior quando todos no ambiente estão usando máscara. O índice de contágio cai quando só infectados usam, e fica menor ainda quando apenas não infectados estão com o item de proteção.
Para a professora de história Sueli Rodrigues Pontes, no entanto, o uso de máscaras na sala de aula serve para mais do que proteger os alunos e professores, mas como uma ferramenta prática de compreensão dos direitos e deveres sociais.
“Os alunos estão sempre de máscara e fazem a troca quando necessário. Eles entendem que isso é importante não só para assegurar a saúde de cada um na escola, mas também a de suas famílias”, diz.
Para garantir que as orientações sejam seguidas, um grupo de mães se voluntariou na EMEF Professora Sylvia Martin Pires, onde Sueli leciona para alunos de 6º a 9º ano, para fazer rondas entre os alunos. “Isso também trouxe os pais para dentro da escola”, completa.
Só a máscara não basta
O biomédico Vitor Mori explica que a principal forma de transmissão da Covid-19 é pelo ar. Por isso, o uso de máscaras e a ventilação dos ambientes são cuidados mais importantes do que a higienização de superfícies com álcool gel, por exemplo.
“Para os professores, que estão projetando a voz e falando alto, a emissão de aerossóis é ainda maior. E eles estão interagindo com várias turmas, então, precisariam receber PFF-2 das secretarias de educação”, diz Mori. “Sabemos que não é confortável passar tanto tempo com essas máscaras, mas aí basta criar intervalos e pensar em pausas de descanso.”
Segundo o biomédico, as salas de aula têm outro elemento de risco: costumam ser fechadas e pouco ventiladas.
“É possível usar equipamentos que monitorem a circulação e a renovação de ar em um espaço. São caros, mas deveriam ser adotados em algumas salas para estabelecer quantos alunos podem ficar ali de forma segura. Ou, ainda mais fácil: aulas ao ar-livre”, explica.
Avanço da vacinação entre adolescentes
A vacinação é a principal defesa contra a Covid a longo prazo e, atualmente, é permitida para adolescentes a partir de 12 anos nos dois países.
Nos EUA, o governo afirma que, até o final de agosto, mais de 50% dos jovens do país haviam recebido ao menos a primeira dose da vacina.
Para efeito de comparação, no mesmo período no Brasil, apenas 1 milhão dos jovens de 12 a 17 anos haviam sido vacinados com a primeira dose, de acordo com o Ministério da Saúde.
Até meados de setembro, mais de 3,5 milhões de adolescentes já tinham comparecido aos postos de vacina para tomar a primeira dose. A vacinação desse grupo, porém, foi suspensa na quinta-feira (16) diante do aumento dos relatos de falta de vacinas no país, sobretudo para a segunda dose de outros grupos.
Especialistas alertam que estar vacinado, por enquanto, não dispensa a necessidade de uso da máscara. O consenso é que, mesmo que os demais protocolos de segurança contra a Covid sejam adotados de maneira prática, a máscara ainda é indispensável nas escolas e fora delas.