Governo Doria avalia mudar a regra e tornar a frequência presencial obrigatória até o fim do ano
Quando as aulas do segundo semestre começaram em agosto, Arthur e Anna Melo, de 10 e 13 anos, voltaram para a frente do computador para acompanhá-las. A diferença em relação aos meses anteriores é que se tornaram uns dos poucos a continuar em casa e passaram a acompanhar por vídeo os amigos retomando a rotina presencial.
Os irmãos fazem parte de uma minoria de estudantes da rede privada do estado de São Paulo que ainda continuam acompanhando as aulas apenas a distância. Desde agosto, as escolas podem ter atividades presenciais todos os dias para todos os alunos, garantindo o distanciamento mínimo de 1 metro.
A volta dos alunos às aulas presenciais, no entanto, continua opcional às famílias. O governo João Doria (PSDB) avalia mudar a regra e tornar a frequência presencial obrigatória até o fim do ano.
A obrigatoriedade deve afetar mais a dinâmica das escolas públicas estaduais, onde só 60% estão comparecendo às atividades presenciais. Nos colégios particulares, consultados pela Folha, o percentual é superior a 90%.
Nas turmas em que estudam Arthur e Anna, em uma escola particular de Marília, eles são praticamente os únicos a continuar no ensino remoto. A família optou por mantê-los em casa porque o pai das crianças tem esclerose múltipla, o que o coloca em maior risco de desenvolver caso grave de Covid.
“Eles não aguentam mais não ir pra escola, já estão bem desmotivados de estudar online, mas achamos que o risco ainda é alto. Nossa ideia é esperar ao menos até que os dois estejam vacinados com as duas doses”, conta a bancária Maria Inês Melo, 52, mãe dos meninos. Até agora, só Anna, a mais velha, tomou a primeira dose.
No Brasil, a vacinação só foi aprovada para adolescentes de até 12 anos, ainda não há previsão de quando ela estará disponível para as faixas etárias mais jovens.
Melo conta que, desde que a maioria dos alunos retornou às atividades presenciais, o ensino remoto se tornou mais difícil de acompanhar. As aulas feitas em sala de aula passaram a ser transmitidas ao vivo para quem está em casa, mas a qualidade é ruim.
“Às vezes os professores esquecem de ligar o computador e tenho que ligar na escola para lembrá-los. O barulho dos alunos também deixa a aula incompreensível em alguns momentos. É como se meus filhos estivessem esquecidos em casa e isso os desmotivou ainda mais”, conta.
Estar entre a minoria que ainda não retornou para a escola também incomodou Laura Pavarin, 12. A família decidiu que ela só deve retornar para as aulas presenciais no colégio Santa Maria, na zona sul da capital, no próximo ano para evitar maior risco de infecção aos pais, que têm comorbidades.
“Ela sente muita falta dos amigos, da troca que tinha na escola, mas concordou que seria melhor esperar um pouco mais para evitar o risco. A ideia é que ela volte quando estiver com a imunização completa”, conta a mãe Karina Pavarin.
Desde agosto, o Santa Maria passou a atender todos os alunos que quisessem voltar todos os dias. Cerca de 10% dos estudantes de cada turma optou por continuar no remoto, assim o colégio criou classes específicas apenas para quem continua a distância.
“Foram criadas turmas específicas para quem está no remoto porque entendemos que assim iríamos atendê-los melhor e que não se sentiriam excluídos. É um momento desafiador, antes estavam todos os alunos na mesma situação, agora temos uma parcela pequena em casa”, conta Márcia Rufino, orientadora pedagógica do 7º ano do colégio.
Rufino diz que a escola reconhece o direito de escolha das famílias que ainda não se sentem seguras pelo retorno, mas diz incentivar que façam algumas experiências de contato presencial até que voltem definitivamente.
“Temos sugerido que os alunos venham para plantões de dúvidas ou atividades sem a turma toda. Estamos buscando frentes para essa inserção social porque sabemos que algumas famílias precisam se acostumar aos poucos com o retorno.”
Para ela, os estudantes se adaptaram e encontraram formas de lidar com a distância, no entanto, ela ressalta que, apesar do esforço, há limitações no modelo online, especialmente para a socialização. “Brinco que são sobreviventes que encontraram ferramentas para fazer parte da escola, mas é preciso que eles retornem.”
É exatamente a parte da socialização que mais preocupa a bancária Fabiana Carreiro, 45. Ainda assim, ela decidiu que os filhos Maria Eduarda, 8, e João Pedro, 12, só retornam ao colégio no próximo ano.
No início da pandemia, a família mudou para São Pedro, no interior paulista, para fazer a quarentena com os avós paternos das crianças. O retorno presencial das crianças vai exigir que voltem a morar na capital, o que dificulta a logística.
“Fico com muita pena das crianças estarem longe da escola, elas sentem muita falta do contato com pessoas da mesma idade. Mas o retorno delas envolve uma mudança familiar muito grande. Por isso, decidimos esperar até o próximo ano para que a gente possa organizar toda a logística”, conta Carreiro.
Juliana Aguilera, 34, tem vivido os dois lados da situação. Ela é professora de educação infantil na escola Carandá e está dando aula para as crianças que continuam no ensino remoto. Ela também é mãe de Teo e Fernando, de 5 e 6 anos, que só voltaram às atividades presenciais na última semana.
Para ela, além do medo de infecção, muitas famílias têm optado pelo ensino remoto por dificuldade de retornar à rotina das aulas presenciais.
“Ainda que a pandemia tenha imposto uma rotina difícil em casa, ela não é 100% ruim e muitas famílias têm dificuldade de se ver voltando ao que era antes. Eu mesma não lembrava como era ter as crianças na escola”, conta.
Aguilera tem na turma remota hoje apenas quatro alunos de 4 e 5 anos de idade. No primeiro semestre, eram 19. Ela diz que tem conversado com as famílias sobre a importância do retorno, especialmente agora que eles são minoria.
“Como temos cada vez menos alunos no remoto, fica difícil a interação entre os alunos. Eles vão se sentindo sozinhos ao ver que só eles entram nas aulas online e acabam mais uma vez só interagindo com adultos. O ambiente que criamos de troca a distância não vai funcionar só com esse pequeno grupo.”