O que é psicopedagogia e qual seu papel nas escolas públicas?
Profissional ajuda a entender dificuldades de aprendizagem pelos aspectos cognitivo, emocional e social
Quais são as variáveis que impedem uma pessoa de aprender e como trabalhá-las para que o direito à educação realmente aconteça? Essa é uma das funções da psicopedagogia, um campo do saber entre saúde e educação que agrega conhecimentos da pedagogia, psicologia, psicanálise, neurociência, filosofia e sociologia para criar suas próprias teorias e estratégias. O psicopedagogo é o profissional que atua nessa área em escolas públicas e privadas.
“Quando algo acontece que impede o aluno de aprender é preciso um diagnóstico específico, que não deixe nada de fora e ajude a identificar o ponto em que ocorreu o estrangulamento do complexo processo de aprendizagem”, explica a doutora em psicologia e autora do livro “A Psicopedagogia no Brasil: contribuições através da prática”, Nádia Bossa.
“O que não funcionou bem foi a escola, o professor, o aluno, a família ou tudo junto e misturado? Quais mudanças devem ocorrer? Por onde começar ? O que é o ideal e o que é possível ? Responder essas perguntas e começar a agir são uma pequena parcela do que fazemos por meio da prática chamada psicopedagogia”, apresenta.
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Origem no pós-guerra
Atuante no Núcleo de Psicopedagogia da Universidade Veiga de Almeida (UVA), Ondina dos Santos explica que a origem da psicopedagogia ocorreu na França após a Segunda Guerra Mundial. “No meu entendimento, já existiam processos psicopedagógicos em Vygotsky, na Rússia, na década de 1930, quando ele cria a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) com estudantes com dificuldades de aprendizagem”, opina. “Porém, com as crianças traumatizadas no pós-guerra, professores que tentavam recuperar questões básicas de aprendizagem percebiam obstáculos, defesas e bloqueios emocionais que impediam isso”, acrescenta.
Os primeiros Centros Psicopedagógicos foram fundados na Europa, em 1946, por J Boutonier e George Mauco, com direção médica e pedagógica.“Os teóricos entendiam que os problemas de aprendizagem se originavam por diferentes fatores individuais como: desnutrição, problemas neurológicos, psicológicos, desigualdades sociais, entre outros. Estavam preocupados em diferenciar os que não aprendiam, apesar de serem inteligentes, daqueles que apresentavam alguma deficiência mental, física ou sensorial”, acrescenta a professora da Pós-graduação de Educação do Centro Universitário FMU/ FIAM-FAAM Iranilda Ankerkrone.
Na América do Sul, os percursores da formação universitária em psicopedagogia foram os argentinos, cujas pesquisas e pensamento influenciaram o Brasil. “Destaque para Alicia Fernández e Jorge Visca”, recomenda Santos.
Toda escola deve ter?
“De acordo com o código de ética do psicopedagogo, sua formação ocorre por meio de graduação ou curso de pós-graduação e especialização”, destaca a coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Anhembi Morumbi, Ana Maria Damiani. As especializações podem ser realizadas por pedagogos, professores com diferentes licenciaturas, fonoaudiólogos, médicos, entre outros. De acordo com Santos, a formação vai influenciar se o psicopedagogo atuará na área clínica ou institucional.
Ao contrário do psicólogo, é desaconselhável para o pedagogo trabalhar clinicamente, com terapia. “Sua formação estará mais na ordem da cognição do que no campo emocional. Ele não terá conhecimentos suficiente sobre inconsciente previstos em Freud e Winnicott, que permitam manejar na criança essas questões”, opina Santos.
A presença do psicopedagogo não é obrigatória na rede pública, ficando restrita a algumas escolas de referência. Porém, alguns municípios podem contar com legislação específica, caso da lei paulistana 15.719/2013, que tornou a presença do profissional obrigatória nas escolas do município de São Paulo.
“Para incentivar sua presença nas redes públicas é necessário investimento financeiro e incentivo dos governos federal, municipais e estaduais para aberturas de concursos públicos para contratação, elaboração de novas políticas públicas para a área, formação continuada e espaços adequados para que os atendimentos sejam realizados”, analisa Ankerkrone.
Frentes de atuação
“Quando na escola, o psicopedagogo pode olhar para as dificuldades de aprendizagem não somente pelo aspecto cognitivo, mas também emocional e social”, resume a psicopedagoga e professora do Singularidades Marta Gonçalves.“Pode prevenir dificuldades de aprendizagem ao entender como cada aluno aprende e olhar para a aprendizagem de forma ampla. Se a criança não entendeu um conteúdo de matemática, é possível identificar quais foram os facilitadores e dificultadores para que essa aprendizagem não acontecesse, ao invés de focar apenas no conteúdo”, acrescenta.
“Na escola, esse profissional pode movimentar o currículo, as práticas pedagógicas, novas formas de ensino e aprendizagem, assim como as avaliações”, sugere Damiani.“Pode participar das reuniões de planejamento de aula e orientar sobre formas mais adequadas de trabalhar cada tema do currículo com os alunos”, pontua Ankerkrone.
Um segundo benefício é relacionado à inclusão. “Ele pode ajudar a escola a lidar melhor com a diversidade, capacitando professores e alunos a acreditarem que todos são capazes de aprender”, destaca Damiani.
Para completar, pode atuar nas relações com a comunidade escolar. “Por exemplo, no acompanhamento periódico de todos os envolvidos no processo de aprendizagem do aluno, como família e comunidade escolar. Pode ter uma escuta ativa, fazer orientações e monitoramento de processos relacionados às decisões e ações planejadas nos encontros”, avalia Ankerkrone.
Professores psicopedagogos
Há muitos ganhos quando o próprio professor tem formação em psicopedagogia. “Este é o cenário ideal. Pode promover orientação direcionada aos familiares, auxílio a toda equipe escolar nas questões pedagógicas, colaboração com a direção para que haja um bom entrosamento entre todos os integrantes da instituição e, saber lidar com o aluno que esteja sofrendo qualquer que seja o problema de ensino-aprendizagem em sua aula”, enfatiza Damiani.
“Um aluno com dislexia demora para ler um parágrafo. Esse professor consegue entender sua necessidade de tempo para conseguir progredir, de forma respeitosa. Incluindo a escrita mais devagar na lousa”, ilustra Santos. “Infelizmente, ainda há uma pressão para o professor cumprir o cronograma e o currículo com rapidez, sem olhar as particularidades, o que empurra todas essas dificuldades de aprendizagem para fora do muro da escola”, completa.
No entanto, mesmo que o professor tenha formação em psicopedagogia, há limitações. “Ele poderá enxergar que algo não vai bem naquela criança, porém, poderá somente tomar as decisões cabíveis no campo pedagógico”, lembra Ankerkrone.“Tem que ter ética, respeitar a privacidade e não falar dos problemas particulares do aluno com dificuldade de forma aberta”, reforça Santos.