Câmara volta a discutir projeto que controla alimentação em escolas
Matéria publicada em 22/05/2023
Objetivo é proibir a venda e a distribuição de bebidas açucaradas e de alimentos ultraprocessados — como biscoitos, balas, bebidas lácteas aromatizadas e produtos congelados prontos para aquecimento
A Câmara de Vereadores do Rio volta a discutir, esta semana, o projeto de lei 1.662, que quer proibir a venda e a distribuição de bebidas açucaradas e de alimentos ultraprocessados — como biscoitos, balas, bebidas lácteas aromatizadas e produtos congelados prontos para aquecimento — nas escolas públicas e privadas do Rio. Embora já tenha sido aprovada em primeira votação, a proposta, que tramita na Casa desde 2019, tem causado polêmica entre os vereadores e já recebeu dez emendas, algumas delas com potencial, se aprovadas, de diminuir sensivelmente a efetividade de suas medidas.
Entre essas emendas modificativas, há uma, de autoria de Rafael Aloísio Freitas (Cidadania), Carlo Caiado (PSD) — presidente da Câmara — e Dr. Rogério Amorim (PTB), que muda a essência da proposta. Se for incluída no texto final, ela retira a proibição aos ultraprocessados e adota uma redação bem mais branda, indicando apenas que “deverão ser priorizadas a venda e a distribuição de alimentos orgânicos ou não ultraprocessados”.
— Eu tenho duas filhas em idade escolar e me preocupo com a exposição de alimentos que podem não ser saudáveis para as crianças. Essa é uma questão que passa pelas escolas, pela família, a sociedade como um todo e pelo poder público. Mas é importante criar uma lei que não prejudique atividades econômicas que geram empregos, que atenda ao conjunto da sociedade e seja de fato efetiva na promoção da saúde — pondera Caiado.
A emenda teve parecer contrário, no ano passado, na Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente. Em voto contrário à aprovação da emenda, a presidente da comissão, vereadora Thaís Ferreira (PSOL), também relatora do parecer, disse que “o texto original melhor oportuniza e facilita condições de nutrição e desenvolvimento às crianças e adolescentes”. Apesar de ser rejeitada na comissão, a emenda ainda pode ser aprovada em plenário.
— As escolas devem ser grandes aliadas no combate à insegurança alimentar e ao nutricídio, que geralmente são financiados pela indústria dos processados e ultraprocessados. Para isso, precisamos de políticas que garantam a oferta do que chamamos de “comida de verdade” para nossas crianças e adolescentes. Neste sentido, espero que o projeto 1.662/2019 seja aprovado sem emendas prejudiciais, pois visa dar diretrizes para combater a exposição aos ultraprocessados nas escolas — diz a vereadora.
‘Conflitos e divergências’
Outra emenda com potencial para enfraquecer os objetivos iniciais do projeto também foi apresentada pelo vereador Rafael Aloísio Freitas. A proposta altera o artigo 2º da Lei, que define quais são os alimentos proibidos. Em seu lugar, passa a citar apenas o que determina o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
— Elencar de forma taxativa quais são os alimentos ultraprocessados no artigo 2º trouxe conflitos e divergências de conceitos, tanto que o projeto recebeu algumas emendas retirando determinados alimentos dessa lista. Para evitar esses conflitos, apresentamos emendas sugerindo que os alimentos orgânicos ou não ultraprocessados tenham prioridade na exposição nas escolas, ao invés de proibir todo esse rol de alimentos — justifica o vereador.
O projeto de lei original foi apresentado na legislatura passada pelo vereador Cesar Maia (PSDB) e leva ainda a assinatura de outros 14 parlamentares. O texto cita estudos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), que “apontam para uma irrefutável relação entre o aumento do consumo desses alimentos e uma perda geral na qualidade da dieta, além de risco significativamente aumentado para várias doenças”.
Perguntado sobre os motivos da demora para votar a proposta, Cesar Maia contemporiza, dizendo que “é natural haver divergências”:
— Espero termos maioria.
A vereadora Rosa Fernandes (PSC), coautora do projeto, pediu na última semana o adiamento da votação. Ela afirma que vai marcar uma reunião nos próximos dias para juntar todas as partes interessadas em sugerir modificações e alinhar uma última proposta. Ela diz que há quem tenha sugerido arquivar a proposta e afirma não abrir mão de que o texto tenha algumas proibições:
— Estou deixando todo mundo apresentar as emendas. A obesidade infantil é uma realidade que não podemos deixar passar desapercebida. Ou você tem uma lei forte, ou será só mais uma.
Presidente do Instituto Singularidades e secretária municipal de Educação entre 2009 e 2014, a professora e economista Claudia Costin defende que o projeto mantenha seu propósito original:
— O conceito de segurança alimentar tem de estar associado a princípios de alimentação saudável. Não apenas para que as crianças não desenvolvam diabetes, obesidade coloquem sua saúde em risco, mas para que elas, criando bons hábitos alimentares, possam levar essas ideias para dentro das suas famílias.
Papel fundamental
A ideia é compartilhada pela nutricionista Étienne Madureira, que cita a Constituição para defender a alimentação saudável nas escolas.
— A alimentação tem um papel fundamental para um desenvolvimento sadio das crianças. Quando a gente fala de alimentação saudável, a gente fala também de um direito que está escrito na Constituição Federal. É dever do estado fornecer saúde, e isso acaba englobando o direito humano também a uma alimentação adequada, o direito de cada cidadão, seja criança ou adulto — diz Étienne, pesquisadora do projeto Culinafro e mestranda no Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde (NUTES/UFRJ).
O secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, lembra que há duas décadas não há cantinas na rede pública de ensino da cidade:
— O cardápio é preparado pelo Instituto de Nutrição Anne Dias, que garante uma alimentação de verdade, sem ultraprocessados. Ações de combate à obesidade infanto-juvenil são essenciais.
Procurado, o sindicato das escolas particulares do Rio não se posicionou. Já a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) disse que não é contra políticas de enfrentamento da obesidade e que acredita que “todos os esforços devem ser empreendidos nesse desafio”, mas que o projeto de lei “pode ser mais bem elaborado para que possa, de fato, alcançar os objetivos pretendidos”.