A intensa luta por leis de proteção à cidadania na internet chegou, mas a educação ainda está sendo vigiada
Conteúdo publicado pelo Nexo de autoria de Rodrigo Barbosa do TLTL
As autoridades educacionais têm remédios regulatórios e o poder/dever para melhorar o ambiente de privacidade e segurança de crianças e jovens na educaçãoA intensa discussão do PL das Fake News escancarou ao conhecimento público a enorme influência das plataformas de internet na vida das pessoas. O debate nacional sobre em que medida as plataformas devem ou não ser reguladas é importante, entretanto a influência de big techs acontecem em outras áreas há muito tempo com nenhuma segurança ou garantia de prestação de contas ao público: a educação.
O sistema educacional brasileiro passou por uma pandemia que acelerou a digitalização da entrega de ensino. Empresas que hoje lutam contra a Lei de Transparência na Internet aumentam a influência sobre as escolas do país. Assim, a educação está virando outro campo de captura de atenções e, principalmente, de “novos usuários” para as big techs. Ao fornecer tecnologia supostamente gratuita para a educação pública, grandes empresas de internet têm acesso a dados pessoais de milhões de crianças, docentes e membros da comunidade educacional com pouca ou nenhuma transparência. Tudo isso sem formas abertas e democráticas de fiscalização ou controle de atividades.
Em janeiro, o governo federal sancionou a Lei n. 14.533/2023, Política Nacional de Educação Digital. Com esta lei, as políticas públicas devem considerar temas estruturantes que haviam sido relegados nos últimos anos. A Lei n. 14.533 inovou na promoção de proteção de dados na educação na seção “direitos digitais” nos ambientes escolares. É um passo importante, mas os educadores ainda precisam de mais suporte para fazerem valer a transparência e segurança do uso de dados dos estudantes.
As autoridades educacionais têm remédios regulatórios e o poder/dever para melhorar o ambiente de privacidade e segurança de crianças e jovens na educação: as leis que regem licitações e contratos públicos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a LGPD, as leis e práticas de transparência do setor público, e também o auxílio de órgãos como o Ministério Público, Tribunais de Contas e universidades e sociedade científicas. O Congresso Nacional, com participação ativa e direta da sociedade civil, deve continuar o esforço de legislar e criar condições para que práticas mais justas com plataformas de internet de grande escala sirvam à sociedade e à educação, e não sirvam-se delas.
Para que a gestão pública consiga lidar nos contratos com grandes empresas de internet, propomos uma série de atos que já estão nas mãos de autoridades educacionais para melhor proteção de dados de crianças e adolescentes na educação. Destacamos:
- Transparência contratual: Governos devem deixar de inserir na escola uma tecnologia porque “é de graça”. Os contratos e termos de referência para contratação devem ser públicos – tal qual uma licitação tradicional – para estabelecer os parâmetros concretos da oferta do serviço e da auditoria dos atos praticados com dados de estudantes.
- Transparência de algoritmos: Se dados de crianças alimentam algoritmos das empresas fornecedoras de serviços de plataformas na educação, devem ser auditáveis e, principalmente, explicáveis para a sociedade.
- O governo é o cliente: Contratos com big techs são celebrados como termos de parceria, ou apenas por acesso direto ao serviço na internet, sem que a realidade dos papéis seja entendida. O governo é cliente dessas plataformas, portanto os direitos inerentes a essa relação devem ser garantidos.
- A responsabilidade de quem contrata: A escola, a professora, pais, mães ou estudantes não são as maiores responsáveis pela análise e escolha das plataformas que ajudarão no processo educativo. O representante que assina o contrato para secretarias e ministérios (titular da pasta, cargos de diretoria) deve ser o agente da promoção de melhores condições de auditoria e garantia dos direitos individuais e difusos na execução do contrato com plataformas educacionais.
- O processo de contratação de uma plataforma deve passar pela fase de consulta pública. Embora este caso não demande pagamento financeiro advindo do orçamento público, os efeitos sobre a vida de estudantes e de contribuintes será maior do que qualquer obra pública tradicional.
Enquanto esse esforço continua no poder legislativo, melhores modelos de contratação e de governança, como os propostos neste artigo, são necessários para que o sistema educacional brasileiro continue a ser impulsionador do desenvolvimento tecnológico nacional. Por isso, uma lei que proteja a cidadania na internet deve também ser fundamental para que escolas, gestores e docentes tenham mais ferramentas para cuidar da educação nacional levando em consideração temas emergentes com tecnologias digitais. Fundamentalmente, a sociedade deve demonstrar que cuida, em todas as dimensões, do futuro das crianças e jovens do Brasil.