Escolas particulares de SP incluem alunos negros e ampliam educação antirracista
Matéria publicada na Folha de SP em 13/09/2023
Escolas particulares ainda são espaços em que a maioria dos estudantes são brancos de classe média e alta. Para mudar o cenário, colégios paulistanos desenvolvem projetos para aumentar a diversidade racial e promover a educação antirracista.
“Preciso de repertório para exercer a profissão que escolher. Pessoas brancas já podem ter dificuldade para conseguir um bom emprego. Para mim, que sou preta e periférica, é ainda mais difícil”, diz Beatriz do Carmo, 16, aluna bolsista na Escola da Vila.
Uma das principais ações realizadas nas escolas é a criação de cotas ou bolsas de estudo.A Escola da Vila, no Butantã, criou o projeto Ampliar, voltado ao ensino médio, em 2019. Com 19 alunos participantes, a iniciativa custeia mensalidade, transporte, materiais, uniformes e saídas pedagógicas.
Em 2022, a instituição passou a oferecer bolsas parciais para crianças negras na educação infantil e, hoje, oito estudantes recebem subsídios que variam de 70% a 90%.
O Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, também dedica ações afirmativas a esta etapa. O programa Santa Plural, criado no ano passado, reserva vagas para alunos negros pagantes e oferece bolsas parciais e integrais aos que preenchem critérios sociais.
São 26 beneficiados, entre cotistas e bolsistas. Outras 26 vagas foram abertas para 2024, em edital encerrado no início do mês. “A ideia é que a cada ano a gente receba mais crianças e mude o cenário no ponto de vista racial”, diz a diretora Beatriz Gouveia.
Desde 2021, o Colégio Vera Cruz arca com duas bolsas por turma ingressante na educação infantil e abre mais vagas conforme recebe doações para o programa —hoje, há 44 bolsistas matriculados.
Em parceria com movimentos de moradia do centro de São Paulo, o Colégio Equipe, em Higienópolis, oferece bolsas de estudos desde 2022 no ensino fundamental (primeiro e sexto ano) e médio (primeira série) para jovens negros que vivem em ocupações.
Luiz Henrique Cunha, 16, mora na Ocupação Mauá e é um dos 16 alunos contemplados. Para ele, o projeto é uma forma de criar oportunidades.
“Quando isso acontece em uma escola particular, conseguimos mostrar diferentes pontos de vista da sociedade. É uma forma de combater o preconceito.”
“Nossa entrada muda a perspectiva, porque tem gente que não convive com pessoas pretas no dia a dia”, afirma Beatriz, da Escola da Vila.
Flávia Garcia, 41, mãe de duas meninas que estudam no Colégio Santa Cruz, relata ter sido, muitas vezes, a única criança negra na sala, diferentemente das filhas.
“Ainda temos exclusão e racismo porque as crianças não convivem, e não tem como criar relações de afeto e amizade sem convivência”, diz.
Para Garcia, outros pontos positivos na educação das filhas em relação à sua são a presença de professores negros e o currículo que valoriza a diversidade.
As quatro escolas disseram buscar contratar mais profissionais negros. No Vera Cruz, 25% dos professores são negros, diz a diretora pedagógica Regina Scarpa, que destaca a importância de letramento racial para toda a equipe.
“A branquitude tem que se responsabilizar na superação do racismo estrutural. Não se trata apenas de dar bolsa, mas de ampliar as possibilidades de relação interracial e construir modelos em que as pessoas negras sejam vistas na sua potência e na sua dignidade.”
As instituições também dão mais espaço às culturas afro-brasileiras nos currículos.
O Santa Cruz incluiu estudos sobre cultura e artistas negros, como o rapper Emicida. O critério é o mesmo para o acervo de livros e brinquedos da escola, e para convidar especialistas para diálogos.
A Escola da Vila dispõe de consultoria para ajudar nas mudanças e criou um plano de ação antirracista, diz Pablo Damaceno, diretor da Vila das Juventudes.
Os alunos estudam a biografia de personalidades negras e as mitologias africanas e indígenas, e produzem trabalhos sobre literatura negra. A escola busca ampliar a presença de palestrantes negros, como a cientista Sônia Guimarães, primeira mulher negra doutora em física no Brasil.
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Para Cleude de Jesus, integrante do conselho consultivo da Liga Interescolas por Equidade Racial, esses ainda são passos iniciais.
“Promover a educação antirracista pressupõe estar disposto a mexer na estrutura, pensar em como as pessoas negras são representadas e em como é a divisão de poder nesses espaços”, diz.
Segundo a Liga, oito escolas paulistanas fazem um autodiagnóstico das relações raciais em parceria com a instituição Ação Educativa, mas há mais etapas para implementar e executar um plano de ação antirracista efetivo.