Igor Caetano Dias Alcarás, doutorando em Genética pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP
Estávamos meus colegas de turma (irei manter aqui seus apelidos para preservar o cômico da situação) Celão, Muffin, Pepino e Socó, e eu, Blanka, saindo de uma aula da graduação, e, como bons “turma do fundão” que éramos, deixamos para nos preocupar com a prova daquela matéria bem na véspera. Naquela época, meados de 2013, mal havia WhatsApp entre nós, o que dirá versões digitalizadas de todos os livros de cada disciplina. Então olhamos no site Dedalus e vimos que só restava um livro daquela matéria na biblioteca.
Como estudávamos na FFCLRP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto) e a biblioteca era do outro lado do enorme balão central, resolvemos ir no meu carro. Lá chegando, estacionei, e eu e Pepino demos a volta pelas escadas até a entrada principal. Mas, ao perguntar na recepção pelo famigerado livro, este já estava com todos seus exemplares emprestados. Voltamos desesperançosos para o carro, dizendo aos demais que havia esgotado tudo, pegaram o último. Socó então diz: “sim, eu peguei”.
Estranhei. “Como você pegou se ficou aqui no carro e só descemos eu e Pepino?”, ao que ele respondeu que descera pelo gramado, cortando caminho, pegara o livro primeiro, e que este estava na mochila em suas mãos.
Brincadeiras e zombarias entre nós assim era muito comum, até mesmo “brincadeiras de mão”, sem perder a amizade, estava liberado, então era óbvio que estava me provocando… Mas eu também tinha fama de ser não só muito inocente, mas também muito esquentado.
“Mostra o livro então”. “Não”, ele respondeu rindo. E aí começaram minhas tentativas de pegar sua mochila, enquanto ele desviava. O que antes era provocação e desafio virou questão de honra, e depois de já quase partir pra ignorância, consegui tomar sua mochila. Ao abrir, obviamente, não tinha livro nenhum, mas, na raiva, atirei a mochila sem nem ver onde, a qual bateu no capô de um outro carro estacionado.
“MEU NOTEBOOK!” ele gritou, que, esse sim, estava dentro da mochila. Na raiva, ele pegou a primeira coisa que viu no carro, um óculos Ray-ban dos anos 80 que foi do meu pai, e atirou também para o meio do mato.
Isso desencadeou uma briga mortal: Blanka vs. Socó, dois catatauzinhos com menos de 1,70m cada um, se agarrando numa luta à la Street Fighter, só que muito desorquestrada e feia de se assistir, em que houve até uma tentativa de golpe de judô ippon no meio.
Enquanto nos digladiávamos, os demais dentro do carro se acabavam de rir. Mas, para tentar nos separar, como o carro estava estacionado numa rua levemente reta, soltaram o freio de mão, fazendo o carro se mover lentamente para trás. Funcionou, me fez largar a briga e voltar correndo, já muito esquentado, além de estapeado. Mas todo esse circo também chamou a atenção dos paladinos da segurança uspiana: a Guarda da USP, os verdadeiros protagonistas dessa história.
Ao chegarem e nos interrogarem, o silêncio pairou sobre o grupo. O que antes era uma brincadeira, agora envolvia tomarmos algum tipo de advertência ou suspensão. Pois que o guarda queria levar não somente a nós, mas até o carro para a guarita e lá darmos nossas explicações. Tentávamos, cada um, de maneira muito caótica, explicar sua (exagerada) versão. O guarda, sem entender nada. Até que Muffin, Celão e Pepino explicaram calmamente a desavença envolvendo os dois agora ex-amigos.
Então, tomado de seu espírito de justiça e fraternidade, o guarda proferiu sua sentença: “posso levar os dois pra guarita agora… ou… vocês se abraçam e fazem as pazes”. Isso mesmo, tal qual crianças brigando na frente dos pais e depois fazendo as pazes de dedinhos, essa foi nossa pena. Tão infantil quanto nossa briga, então há que se dizer que foi justa e cabível.
Ok, nos abraçamos, e já naquele mesmo abraço, rimos da situação e de quão humilhante estava sendo aquele abraço, na frente do guarda, e envolvendo a Guarda da USP… E sem o livro para a prova.
Afinal, a USP uniu este seleto grupo de amigos numa graduação, tão amigos que desavenças seriam inevitáveis, como tantas outras que ocorreram depois, mas que fizeram parte do nosso amadurecimento pela vida universitária. E que briga alguma, até hoje, jamais separou.