Lia Queiroz Amaral, professora titular sênior do Instituto de Física (IF) da USP
Tenho um sentimento de pertencimento em relação à USP. Inicialmente memórias familiares da minha infância, relatos de meu pai (Antonio Souza Queiroz do Amaral), que se formou Engenheiro Agrônomo na “Luiz de Queiroz” de Piracicaba, em 1926, e também de uma tia, irmã de meu pai (Gila do Amaral von Schmeling), que se formou em Medicina na USP em 1944. Tanto a Esalq como a FMUSP integraram a USP, formada em 1934. A USP iniciou como consequência da Revolução Constitucionalista de 1932 e tanto meu pai como minha mãe participaram da revolução, inclusive foi nela que eles se conheceram.
A memória que relato agora refere-se à minha mãe, e sua relação com a USP, que descobri numa pesquisa que decidi fazer no início de 2024, baseada nas lembranças que eu tinha dos relatos que ouvi em criança. Sabia que meus pais se conheceram quando o batalhão de meu pai na Revolução de 1932 chegou em Atibaia, onde minha mãe era professora primária concursada, após ter feito o Curso Normal na Caetano deCampos. Isso era o máximo que mulheres faziam naquela época, formou-se professora com menos de 20 anos, nasceu em 1912, filha de imigrantes italianos. Meus pais se apaixonaram ao se conhecerem, mas depois meu pai voltou para cuidar da fazenda da família, perto de São Carlos, numa situação financeira péssima.
Minha mãe me contou que conseguiu então comissionamento para vir a São Paulo, onde se formou Educadora Sanitária na Faculdade de Higiene e foi trabalhar como Diretora de Parque Infantil da Prefeitura, subordinada a Mario de Andrade. Meus pais se casaram em 1937, e minha mãe teve que parar de trabalhar quando eu nasci, em 1941. Ela então se licenciou na Prefeitura de São Paulo, depois minha irmã Marina nasceu em 1944, mas chegou um momento em que os licenciados tinham que decidir ou voltar ao trabalho, ou pedir demissão. Minha mãe contava que ela ficou andando um dia inteiro com a carta de demissão na bolsa, e acabou se demitindo, mas fez sempre pressão para que eu tivesse uma profissão.
Só recentemente compreendi que foi por influencia dela que fui fazer a FFCL-USP (Maria Antonia), onde entrei em Física em 1959 e me graduei (bacharel e licenciada) em 1962. Ela tinha sido professora, eu segui inicialmente nessa direção. Mas no terceiro ano de Física entrei em crise existencial, apareceu uma oportunidade na direção de pesquisa com bolsa de iniciação científica no Instituto de Energia Atômica (Reator, atual IPEN) e mudei a direção de minha Vida. Fiz pesquisa em reatores por mais de uma década, mas me demiti do emprego depois do nascimento de minha filha Karin, conciliar profissão com maternidade não é trivial para mulheres!
Hoje, sou Professora Titular Sênior no Instituto de Física da USP, onde iniciei há 50 anos um projeto de pesquisa em Cristais Líquidos, ligado à uma proposta de inicio de um Laboratório de Cristalografia de Raios X. Mas este relato não será sobre minhas Memórias no IF-USP, e sim sobre o que investiguei e descobri agora, na Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP), numa pesquisa pessoal e individual que fiz, em tributo à memória de minha mãe, falecida em 2000.
No inicio de janeiro de 2024, busquei literatura sobre o curso de Educadora Sanitária, encontrei muita coisa, desde as primeiras formandas, de 1926, e todas as modificações ocorridas ao longo do
tempo. A formação da USP, em 1934, incluiu o Instituto de Higiene e o Decreto 6321 de 28 de fevereiro de 1934 estabeleceu novo regulamento para o curso de Educadores Sanitários, destinado a
professores primários, regentes de classes.
Depois entrei em contato, via site da FSP, com Bianca Ferreira, estagiária do Centro de Memória da FSP e conseguimos localizar nos “Fundos da Revolução de 32”, uma lista de Enfermeiras do Quartel do Batalhão da Justiça, em que constava o nome de minha mãe, junto com uma irmã dela, com o endereço correto da casa de minha avó materna (Rua Muniz de Souza, na Aclimação), e com a data de inicio 22 de julho de 1932. Fiquei assim sabendo que minha mãe se inscreveu como enfermeira antes de conhecer meu pai.
Em seguida, consegui entrar em contato, por e-mail, com a coordenadora responsável pelo Centro de Memória da FSP, Maria Cristina da Costa Marques, e marquei uma visita para fazer uma
busca nas pastas ainda não arquivadas, que selecionei da lista disponível. Minha visita ao Centro de Memória da FSP realizou-se em 14 de março de 2024, e acertei com Bianca meu acesso por uma rampa lateral, devido à minha dificuldade de locomoção. Passei 3 horas fazendo pesquisa presencial no material não catalogado, manuseando com luvas e olhando com cuidado os documentos, um por um, separando o que julguei pertinente nas varias pastas existentes sobre:
– Movimento Constitucionalista de 1932
– Educadoras Sanitárias e Curso de Especialização em Saúde Pública
Cheguei na informação que buscava: entre os 25 formados como Educadores Sanitários em 1935 (22 mulheres e 3 homens) constava o nome de minha mãe: Noemi Divani. Passei então a Bianca
os documentos todos de interesse para mim. Recebi depois dela, por e-mail, em 6/5/2024, uma pasta digitalizada, oficialmente entregue a mim, com o aval da FSP. Montei foto com “minha mãe no documento da FSP”.
Minha mãe e as demais professoras merecem ser resgatadas nesta homenagem aos 90 anos da USP!!
Obtive também agora farta documentação sobre o papel de Mario de Andrade na formação dos parques infantis, como Secretario de Cultura, no período 1935-1938. Posso concluir dizendo que minha mãe foi efetivamente Diretora de Parque Infantil, e se licenciou como Noemi Divani do Amaral, quando eu nasci, embora a documentação sobre isso tenha sido perdida durante o Estado Novo.
Agradeço ao Centro de Memória da FSP a possibilidade de resgatar estas memórias no Jornal da USP.