Um amor tatuado

Cíntia Dias, funcionária do Instituto de Geociências (IGc) da USP

Nem sei direito quando a minha história com a USP começou, eu, menina pobre do interior, sem nenhum universitário na família até aquele momento e nenhum circulo social onde o nome USP fosse pronunciado, talvez tenha ouvido em alguma reportagem da TV que era a melhor Universidade do País, sei que de alguma forma em mim nascia o maior amor da minha vida.

Quando criança, dizia que viria para São Paulo, morar com um tio e estudar na USP, não precisou, com 14 anos me mudei para São Paulo com meus pais, nesta época, esse sonho já tinha criado muitas raízes e não tinha quem me convencesse a desistir dessa ideia de estudar na USP, e olha que por volta do ano 2000 muito mais gente tentava me convencer a desistir do que me apoiava.

Envio a imagem da minha tatuagem onde marquei na pele um pouco desse amor pela USP – Foto: Arquivo Pessoal

E assim fui, prestei Fuvest três vezes, a primeira só com os conhecimentos de escola pública que, no meu caso, ainda era técnica em magistério e tinha menos disciplinas importantes para o vestibular do que o ensino médio tradicional, mas tinha escolhido esta escola porque era integral e pensava que iria estudar o dobro estando lá, não passei nem na primeira fase.

Na segunda vez, fiz cursinho o ano todo, estudava integral e ia para o cursinho a noite, passei para a segunda fase mas não consegui ser aprovada, tinha passado na Unesp em Bauru, mas minha família não me deixou ir, então negociei que ficaria em São Paulo, mas me recusava a me matricular em qualquer universidade particular e iria fazer mais um ano de cursinho, assim aquela rotina de estudar integral e fazer cursinho a noite continuou mais um ano.

Aqui preciso explicar que meu ensino médio técnico era de quatro anos, no terceiro, já era possível formar no ensino médio e o último ano era para sair com a certificação de professora de educação infantil e ensino fundamental nível 1.

Voltando à história, eu mantive a mesma rotina e assim se passou mais um ano de estudo, para mim não tinha feriado, fim de semana ou diversão, tudo que tinha de tempo livre era para estudar e, algumas vezes, ir ao cinema.

Então no terceiro vestibular finalmente consegui, entrei na segunda chamada em Licenciatura em Física, minha primeira opção era Matemática, o curso com uma das menores nota de corte da USP, mas o que importava é que tinha realizado meu sonho de estudar na USP, em uma época em que o Enem até ajudava, mas pesava igual para todos, sem cotas e sem nenhum incentivo.

O problema é que, apesar de Física ser um dos cursos com menor nota de corte, também é um dos mais difíceis, foram cinco anos estudando, chorando e tentando entender tanta coisa que não entendo até hoje, acabei pedindo transferência para a Pedagogia, já era professora de educação infantil e tinha feito várias disciplinas neste curso, aí ficou um pouco mais leve. Por conta de já ter feito diversas disciplinas da licenciatura, consegui me formar em três anos. Até queria voltar para a Física, mas alguns colegas de três anos atrás ainda estavam lá sofrendo para se formar e então desisti de vez.

Me formei em Pedagogia em 2009, aí decidi que queria entrar para a USP como funcionária, prestava todos os concursos que aparecessem e, em 2010, após uma greve, fui chamada para o IAG, seis meses depois, em outro concurso para o IB, e um ano depois, para a FEA onde fiquei  quatro anos e pedi transferência para o IGc onde estou até hoje.

Como funcionária, acabei descobrindo e aproveitando mais o que a Universidade oferecia, vi que poderia ter feito muito mais na graduação, mas eu estudava e trabalhava e mal tinha tempo de dormir.

Em 2018, tirei uma licença para morar em Porto Alegre, aí veio a pandemia, acabei voltando para São Paulo e, quando voltei para a USP, não me aguentava de saudade desse lugar, foi como atravessar a ponte da Cidade Universitária pela primeira vez pensando, nossa eu passei, eu vou estudar na USP.

Não consigo explicar o amor que sinto por este lugar, costumo dizer que é de outra vida. Não consegui amar mais outra coisa na minha vida do que este lugar.

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