Educadores buscam diálogo e enfrentam resistência em meio a tensões ideológicas
Polarização e aumento da agressividade ampliam tensões geradas pela abordagem de política e temas sociais em sala de aula
Os professores têm, entre suas atribuições, a tarefa de ajudar os alunos a compreenderem o mundo em que vivem e, a partir disso, formularem o pensamento crítico. Na atualidade, temas como raça, gênero, formação de novas famílias e meio ambiente aparecem para compor esse repertório e estimular o debate, já que fazem parte da sociedade.
Mas como tratar destes temas quando há polarização de ideias e os assuntos são vistos como ideológicos ou tabus? Ou, ainda, como agir quando o trabalho do professor é levado ao escrutínio público das redes sociais, muitas vezes sem diálogo prévio?
O contexto é complexo e os desafios envolvem formação e condição de trabalho dos professores, uma escalada do conservadorismo na sociedade e o questionamento sobre o saber e a produção de conhecimento, afirma João Valdir Alves de Souza, coordenador do grupo de pesquisa sobre profissão docente na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “Há pouco espaço para o diálogo, o debate e a diferença”, afirma.
Para ele, o estudo e preparação dos professores, com apoio do projeto pedagógico da escola e da rede de ensino, são formas de encarar o problema. “A aposta da educação no mundo moderno é ampliar a lente na forma como vemos o mundo”, afirma. “E a escola não é uma bolha isolada das relações sociais e culturais. Ela está inserida no mundo. Quando há conflito, o que se espera é o apoio da escola”, diz.
É essa base sólida, com apoio da comunidade escolar, que o formador de professores Daniel Helene, doutor em história social pela USP e coordenador do ensino fundamental do 6º ao 9ª ano da Escola Vera Cruz, em São Paulo, busca transmitir nos cursos. Só assim, diz ele, as tensões que sempre existiram e foram elevadas pela exposição das redes sociais podem ser encaradas como um convite ao diálogo.
Em período de eleição, por exemplo, é possível levar para sala de aula discussões sobre sistema eleitoral, financiamento de campanha e plano de governo. “Se houver críticas, do tipo ‘Ah, mas ao falar disso você está sendo de esquerda, comunista’, então vamos discutir o que a pessoa está querendo dizer. Fazer política é a gente ouvir as diferenças e encontrar caminhos para conversar um com o outro”, diz.
E, para levar os temas para a sala de aula, é preciso estar pronto para a dinâmica da troca com os alunos, afirma Ednéia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora executiva da ONG Ação Educativa.
“A gente sempre olha o professor como um grande Dom Quixote, que luta sozinho contra todos os moinhos de vento. Mas o professor faz parte de um ambiente escolar e ele tem uma função muito específica, não são temas que vêm na cabeça dele”, afirma.
“O nosso papel é construir conhecimento a partir do confronto entre diferentes ideias. Nenhuma aula é igual a outra, a gente está sempre construindo e reagindo às conclusões dos alunos”, diz.
RESISTÊNCIA POR TODO LADO
Com os alunos em mente, Helder Guastti, 36, busca novas formas de estimular o raciocínio dos estudantes do 4º e 5º anos da rede pública de João Neiva (ES), cidade com 14 mil habitantes. Na sua experiência, ainda não houve conflito com os pais, mas há resistência de outros educadores da rede.
Guastti conta que o desafio é superar a forma como a educação sempre foi tratada na região em que atua.
“Há uma tendência em engessar tudo, onde todo mundo tem que fazer as mesmas coisas e aplicar as mesmas atividades, mas eu acredito que o professor deve ter autonomia”, diz. “Fica parecendo que eu quero nadar contra a maré, por teimosia, mas as coisas que eu faço na sala de aula é porque eu sei que trazem resultados positivos”, afirma Guastti, que tem apoio da escola onde trabalha.
Joice Lamb, 52, já foi diretora, coordenadora pedagógica e atualmente dá aulas no contraturno da rede pública de Novo Hamburgo (RS). Com 33 anos de experiência, ela conta que sempre houve tensões entre escola e comunidade, mas nos últimos tempos há maior agressividade. “E, quando chegam para conversar, percebem que não era bem aquilo que elas estavam achando”, afirma Joice, escolhida a educadora do ano em 2019 no prêmio Educador Nota 10.
Quando a proposta é debater política, a estratégia, diz Joice, é a de não nomear as pessoas. “Mas os próprios estudantes nomeiam e, às vezes, a discussão chega na família pelo viés de um aluno que pegou só parte da história. Esse cuidado e essa tensão os professores vivem. Não sei se tem como se preparar sem antes viver esse estresse”, diz.
E há casos em que o confronto ocorre com os próprios alunos. Foi o que aconteceu com Lidiane Pereira, 39, uma das vencedoras do Educador Nota 10 de 2020.
Com o apoio da escola, Lidiane convidou uma pessoa trans para dar uma palestra aos alunos do 7º e 9º anos do ensino fundamental da rede pública de São Paulo. A proposta era fazer um debate e, ao fim, produzir um artigo de opinião.
Com a turma de 2019, foi um sucesso. Na turma de 2022, não –houve chacota, desrespeito e os meninos se recusaram a escrever o artigo. “Eu me senti esmorecida. Constatei que, apesar dos esforços, não consegui provocar fissuras nas formas de agir e pensar dos estudantes.”
Ainda assim, ela diz que prefere pensar que tudo é um processo e que, de certa forma, a provocação foi feita e pode repercutir daqui uns anos.