O bullying e a relação escola-família para uma convivência ética

O bullying e a relação escola-família para uma convivência ética

Matéria publicada na Revista Nexo em 02/12/2024

As consequências do bullying podem ser devastadoras para os alvos, tanto no curto quanto no longo prazo

A importância da parceria entre escola e família para a construção de uma convivência ética no ambiente escolar é um dos assuntos mais importantes no contexto atual. Sua relevância é atestada pelos estudos sobre o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes na sociedade hoje.

Em uma pesquisa recente, feita por uma empresa de marketing educacional, foram obtidas 8 mil respostas de familiares sobre o que consideram importante na hora de escolher uma escola para seus filhos, e o segundo item mais citado foi como a escola trabalha com o bullying, seguido de como a escola se preocupa com a saúde mental dos estudantes1 .

Esse dado nos ajuda a compreender que, para uma efetiva parceria entre escola e família, os pais querem auxílio e um posicionamento por parte da escola sobre essa temática tão importante, que vai além dos conteúdos acadêmicos e do desenvolvimento cognitivo. A escola, no entanto, não pode ser responsabilizada, isoladamente, pelos desafios educacionais, sendo fundamental a construção de uma relação de colaboração com as famílias.

Nesta reflexão, vamos nos concentrar na importância de um trabalho preventivo, formativo e interventivo sobre o bullying no ambiente escolar. Esse tema preocupa a todos, pois, diferentemente das situações de conflitos interpessoais, que acontecem rotineiramente na relação entre os estudantes – e fazem parte do desenvolvimento –, o bullying é um tipo de violência que deixa marcas em todos os envolvidos.

O termo “bullying” tornou-se cada vez mais presente em nosso cotidiano, especialmente no ambiente escolar. Mas, afinal, o que, de fato, é o bullying? Esse fenômeno pode ser definido como qualquer ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, praticado por um indivíduo ou grupo contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidar e/ou agredir, causando dor e angústia ao alvo, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

É importante destacar que o bullying não se resume a brincadeiras ou desentendimentos — e é inclusive coberto pela lei brasileira. No Brasil, temos a Lei 13.185/2015, conhecida como Lei Antibullying, e a Lei 14.811/2024, que estabelecem ações intencionais por parte das escolas, como, por exemplo, todas possuírem um Projeto Antibullying.

Essa violência se caracteriza pela intencionalidade, pela repetição e pelo desequilíbrio de poder, que torna o alvo (mais) vulnerável e impossibilita sua defesa. Além disso, só existe porque temos, além de um alvo mais frágil, um autor normalmente acompanhado por coautores, que intimidam e rebaixam frequentemente, e os espectadores, que ou silenciam ou aprovam a violência, rindo e estimulando as agressões.

Na perspectiva da psicologia moral, o bullying é um tipo de violência que precisa de ações preventivas e interventivas, intencionais, por parte das escolas – e isso inclui formação para todos os educadores que estão em contato com os estudantes, incluindo os familiares. A escola é, por excelência, um local para uma convivência ética.

Pensando que, para que esse tipo de violência ocorra, há uma concordância, uma autorização de todos os estudantes que assistem, os espectadores, as ações preventivas precisam partir dessa desconstrução. Por que alguns se calam frente à violência de outros colegas? Temos feito essa pergunta para estudantes do Ensino Fundamental ao Médio e sempre encontramos as mesmas respostas. Essa omissão ocorre por:

Assim sendo, as ações preventivas visam a um conhecimento sobre esse tipo de violência e uma sensibilização em relação às marcas que causa, e, principalmente, a organização de um ambiente sociomoral cooperativo, em que valores como justiça, respeito, dignidade e generosidade estejam presentes, diariamente, em todas as relações.

O trabalho com as famílias é fundamental, pois, normalmente, os familiares dos espectadores pouco se envolvem quando o tema é bullying. Nesse sentido, é importante dar subsídios teóricos e promover ações práticas, com as diferentes faixas etárias, para que as famílias também se impliquem na prevenção e no combate ao (cyber)bullying.

E quando constatamos uma situação de bullying? A intervenção, quanto mais cedo for, mais eficaz será e deixará menos marcas. A escola deve abrir um protocolo específico, visando à tomada de consciência e mudança de comportamento em relação a autor e coautores, que também necessitam de ajuda para saírem desse lugar de agressores. Ressignificar esses papéis e favorecer o sentimento de pertencimento quando se pratica a justiça, o respeito e se é generoso é uma tarefa difícil, mas possível. O alvo precisará de ajuda para conseguir sair dessa condição, sem se vitimizar, sentindo-se valorizado aos próprios olhos. E todos os outros envolvidos, os espectadores, não poderão consentir com a violência, calando-se ou contribuindo com risadas – e, para isso, o trabalho com o protagonismo e com a força do grupo, das ações coletivas, é fundamental 2 .

As consequências do bullying podem ser devastadoras para os alvos, tanto no curto quanto no longo prazo. São problemas emocionais como ansiedade, depressão, baixa autoestima, medo, insegurança e dificuldade em se relacionar com outras pessoas. E problemas físicos que incluem dores de cabeça, problemas de sono, dores no estômago e alterações no apetite. Além também de problemas escolares, como dificuldade de concentração, baixo rendimento escolar, evasão escolar e até mesmo pensamentos suicidas.

Tendo tudo isso em vista, a parceria entre família e escola é um elo necessário à prevenção e ao combate ao bullying. Todos precisam se sensibilizar e buscar uma convivência ética, que seja saudável entre crianças e jovens, mas também entre toda a comunidade educativa. Vivenciar relações saudáveis em um clima escolar positivo é um objetivo fundamental em tempos atuais.

Adriana de Melo Ramos é pós-doutora na área de Formação de Professores e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp; coordenadora do curso de pós-graduação As Relações Interpessoais na Escola: das Competências Socioemocionais à Personalidade Ética, docente do curso de Pedagogia e pesquisadora e membro do NPEEI (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação e Infância), todos do Instituto Vera Cruz; além de gestora integrada da Convivere Mais – Assessoria e Formação.

Fernanda de Souza Sbrissa é mestra em Teoria Literária pela Unesp e especialista em Relações Interpessoais na Escola pelo Instituto Vera Cruz, assistente de coordenação do curso de pós-graduação As Relações Interpessoais na Escola: das Competências Socioemocionais à Personalidade Ética e membro do NPEEI (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação e Infância), ambos do Instituto Vera Cruz, além de gestora de projetos da Convivere Mais – Assessoria e Formação.