Volta às aulas: o que muda nas escolas com proibição de celulares
Matéria publicada no UOL em 03/02/2025
O mês de fevereiro marca a volta às aulas das escolas públicas de todo país. A partir deste ano, os alunos vão encarar uma novidade: não poderão utilizar o celular durante todo o período de permanência na unidade de ensino, de acordo com uma nova legislação federal.
O que aconteceu?
Em 13 estados, os alunos estarão proibidos de usar os celulares a partir do primeiro dia de aula. Os governos do Acre, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais e do Rio de Janeiro disseram que vão aguardar a regulamentação do MEC, que precisa ocorrer até 13 de fevereiro. O Maranhão informou que terá um processo gradual de implementação — outros oito estados não responderam à reportagem.
Sem regulamentação do MEC, estados têm criado suas próprias medidas. São Paulo, que sancionou uma lei em dezembro sobre o tema, divulgou as regras para as escolas estaduais. Entre elas, está a de manter o celular e outros dispositivos eletrônicos “em local inacessível” ao estudante.
As escolas paulistas não vão se responsabilizar por “eventuais extravios ou danos aos equipamentos”. Os responsáveis devem ser informados sobre os canais de comunicação e os horários de atendimento para “promover confiança e assegurar bem-estar”, diz o governo.
O documento paulista divulgado aos gestores prevê medidas em caso de descumprimento. Se o aluno insistir em ficar com o celular, o professor ou um funcionário deve comunicar a direção escolar. Em caso de reincidência, o estudante deve ser chamado pela direção e, em um segundo momento, os pais devem ser convocados. Caso a família não compareça ou não justifique a falta, o Conselho Tutelar pode ser acionado.
Ceará, Espírito Santo, Paraná e Piauí deixarão escolas escolherem como celular será armazenado. O objetivo, segundo as redes de ensino, é que as unidades cheguem em um consenso com a comunidade escolar. No Paraná, uma escola instalou uma caixa com chave para guardar os celulares da turma.
No Amapá e em Pernambuco, a orientação é que os estudantes deixem o aparelho na mochila. “Quando as aulas iniciarem, haverá ações de sensibilização relacionadas à exposição excessiva de telas junto aos estudantes e às famílias”, afirma a secretaria de Educação pernambucana. O Amapá diz que decidiu por essa opção “por questões de segurança”.
Nenhuma rede de ensino proíbe os estudantes de levarem o celular para a escola. A legislação trata sobre o uso e não o porte do aparelho — a primeira versão do projeto de lei federal vetava que os estudantes levassem o celular.
A legislação federal está em vigor desde sua publicação, em 13 de janeiro, segundo a pasta. O Ministério da Educação tem 30 dias para fazer a regulamentação da lei — a reportagem pediu uma previsão, mas o MEC não informou. “O ministério trabalha na elaboração de materiais de orientação e guias específicos voltados às secretarias de Educação, às escolas e às famílias, com orientações claras sobre a aplicação da lei”, disse em nota.
Proibição atinge estudantes de toda a educação básica, que vai até o ensino médio. Segundo o governo federal, o celular está liberado para situações de perigo, para garantir a inclusão ou para atender a questões de saúde — alguns alunos usam o aparelho para medir a glicemia, por exemplo.
Ao UOL, as redes de ensino informaram que estudam discussões com os alunos sobre o uso excessivo das telas. Os estados afirmam que planejam com os conselhos de educação palestras e momentos de acolhimento para os estudantes. A lei federal prevê que as escolas devem atender os adolescentes e jovens que “estejam em sofrimento psíquico e mental decorrentes do uso imoderado de telas” e pela nomofobia, que é o medo irracional de ficar longe do celular.
Colégios particulares distribuem jogos no intervalo
Com a proibição completa do celular, colégios particulares passaram a ter jogos no intervalo. O Dante Alighieri, na região central de São Paulo, oferece agora atividades de integração como jogos de tabuleiro, práticas esportivas e brincadeiras infantis. No Albert Sabin, os próprios estudantes têm levado jogos manuais para estes momentos. “A grande maioria das famílias não só aceita, como apoia as medidas”, conta Giselle Magnossão, diretora pedagógica.
Celulares ficam na mochila ou armário. No colégio Vereda, os estudantes podem alugar um armário por R$ 200 ao ano e armazenar o aparelho — há opção de deixar em um ninho com a professora. No colégio Bandeirantes, os estudantes devem manter os aparelhos desligados dentro da mochila. No colégio Stocco, a proibição começou com o anúncio do MEC e a orientadora educacional Adriana Melo disse já ter percebido alunos mais focados e mais socialização nos intervalos.
Apreensão deu lugar a boa aceitação e colaboração. Maria Luiza Guimarães, diretora do colégio Objetivo, acreditava que a implementação da lei nos primeiros dias seria difícil, mas se surpreendeu com a “boa aceitação” dos alunos. Segundo ela, os estudantes já foram preparados para os primeiros dias de aula com cartão de crédito (antes usavam Pix) e até câmera fotográfica para fazer fotos da lousa.
Colégio orientou professores a “dar exemplo”. O Pentágono, com unidades no Morumbi e em Perdizes, afirmou que, para incentivar os estudantes, pediu aos professores que evitassem usar seus celulares durante as aulas e “em espaços coletivos onde haja alunos: recreio, almoço, áreas de circulação comum”.
Unidades planejam ações de conscientização com estudantes. No Gracinha, por exemplo, a ideia é fazer momentos de reflexão com os alunos sobre o por quê da lei.
Faz parte da vida, faz parte do mundo, não tem como a gente fazer uma escola de qualidade que não olhe para isso, que não tematize essas questões com os alunos e que não tenha uma perspectiva formativa no trabalho em relação às novas tecnologias incluídas aí, tudo aquilo que a gente pode acessar via celulares.Daniel Helene, coordenador pedagógico fundamental 2 da Escola Vera Cruz
Outros países já proibiram?
Um a cada quatro países do mundo já proíbe uso nas escolas. Segundo o Relatório Global e Monitoramento da Educação da Unesco, estão na lista França, pioneira no tema, Espanha, Grécia, Finlândia, Suíça e México.
Estudos nacionais e internacionais têm apontado os problemas do uso excessivo de celular por crianças e adolescentes. No Pisa 2022, principal avaliação mundial da educação, oito em cada dez alunos brasileiros de 15 anos disseram que se distraem com o uso de celulares nas aulas de matemática.