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Quais são os principais desafios para formar professores no Brasil?

Quais são os principais desafios para formar professores no Brasil?

Matéria publicada no Estadão em 28/04/2025

Falta de prestígio social e más condições de trabalho explicam por que poucos estudantes escolhem e permanecem na docência

A decisão sobre qual carreira seguir raramente é simples. Para além de vocação e paixão, elementos como salário, condições de trabalho e reconhecimento social têm peso considerável na escolha ocupacional. No caso do magistério, as pesquisas mostram um descompasso crescente entre a importância social da profissão e a atratividade que ela exerce sobre os jovens brasileiros.

Uma ampla pesquisa do Instituto Semesp, de 2022, apontou que o déficit de professores em todas as etapas da educação básica pode chegar a 235 mil em 2040. E vale dizer que o problema não é só brasileiro: neste mês, a ONU estimou um déficit de 44 milhões de docentes até 2030 – 3,2 milhões de profissionais somente na América Latina e Caribe.

Em 2022, 58% dos alunos matriculados em cursos de licenciatura abandonaram o curso antes de se formarem, segundo o Censo da Educação Superior. E apenas 3% dos estudantes de 15 anos manifestaram o desejo de se tornarem professores, de acordo com o PISA.

O professor Fábio Waltenberg, doutor em economia e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), vem estudando esse fenômeno há mais de uma década. “A carreira docente é essencial para o funcionamento do sistema educacional, mas tem se mostrado cada vez menos atrativa”, explica.

Waltenberg coordenou uma pesquisa iniciada em 2013 para investigar as razões da baixa atratividade da docência. O estudo reuniu dados de campo com formandos de licenciaturas e comparou a situação brasileira com experiências internacionais.

Entre os principais entraves identificados está o aspecto financeiro. Apesar de o piso nacional dos professores ter aumentado nas últimas décadas, a remuneração ainda é considerada baixa quando comparada às de outras carreiras com formação semelhante.

“Se gasta muito com professores em termos agregados, mas isso não significa que cada docente receba bem individualmente. Além disso, os contratos de trabalho são muitas vezes fragmentados, com carga horária parcial, obrigando o professor a trabalhar em múltiplas escolas”, diz Waltenberg.

Mas o problema vai além do salário. A coordenadora pedagógica Andrea Luize, do Instituto Vera Cruz, reforça a importância do reconhecimento social. “A desvalorização do professor é histórica no Brasil. Isso impacta tanto a remuneração quanto o prestígio. Muitos jovens simplesmente não se sentem motivados a seguir uma carreira que é constantemente desqualificada socialmente.”

Ela aponta ainda outros fatores estruturais que contribuem para o afastamento da juventude: alta taxa de medicalização das crianças, pressões burocráticas, formação inicial fragilizada e condições precárias de trabalho. “Temos muitos cursos de licenciatura em EAD, de qualidade questionável, que preparam mal o futuro docente. E isso retroalimenta o ciclo de baixa qualidade da educação básica”, diz.

Apesar de todas as dificuldades, ainda há quem escolha a docência por paixão — e não apenas por falta de opção. É o caso de Alexia Venancino, 23 anos, estudante do sétimo semestre de Pedagogia.

Vinda de uma família de professores de Libras, ela cresceu cercada por conversas sobre educação e acessibilidade. Suas avós são surdas, e a mãe, intérprete de Libras, sempre compartilhou em casa os desafios e conquistas da vida docente. “Desde pequena, a educação esteve presente de forma muito concreta na minha vida. Nunca foi uma imposição, mas uma influência natural”, conta.

Alexia chegou a iniciar um curso de Ciências Sociais, mas não se identificou com a experiência universitária naquele momento e acabou se afastando dos estudos. A decisão por Pedagogia veio depois, impulsionada por uma inquietação pessoal e pelo desejo de encontrar um propósito significativo na carreira.

“Meu sonho não era ser professora em si, mas fazer algo que tivesse um impacto real. A pedagogia me pareceu o caminho mais dinâmico e possível para isso.”

Hoje, ela trabalha como assistente pedagógica em uma escola bilíngue e já vivenciou os dois lados da profissão: o encantamento com a sala de aula e o desgaste das más condições de trabalho. Já estagiou em escolas com infraestrutura precária e convive com colegas que abandonaram o curso.

“Às vezes me pergunto se vou conseguir sustentar essa escolha a longo prazo. O salário ainda está longe de garantir independência financeira, e o desgaste emocional é enorme. Mas acredito no poder transformador da educação. Quero ser esse agente de mudança na vida dos meus alunos”, afirma.

A trajetória de Alexia revela um ponto crucial: a docência, embora muitas vezes desvalorizada, continua sendo escolhida por jovens movidos por valores imateriais — como propósito, afeto, e senso de missão.

Estudos reforçam esse aspecto. Fatores como estabilidade no emprego, possibilidade de conciliar carreira com família, experiências escolares marcantes e o desejo de contribuir para a sociedade pesam tanto quanto o salário na hora da decisão.

Para Waltenberg, é nesse ponto que o Brasil encontra um dilema. Para atrair mais jovens como Alexia, será preciso ir além dos aumentos salariais. Investir em formação de qualidade, melhorar as condições de trabalho, garantir reconhecimento e, sobretudo, resgatar a valorização simbólica do professor. “Se quisermos melhorar a educação, precisamos tornar a carreira docente desejável.”, resume o pesquisador.

Escassez oculta e soluções estruturais

Com o risco crescente de escassez de docentes em disciplinas como Física, Química e Matemática, o Brasil precisa encarar com seriedade a questão da atratividade. Isso significa rever políticas de financiamento, aprimorar os cursos de licenciatura, criar incentivos regionais e temáticos e reaproximar a sociedade do papel do educador.

Uma dessas iniciativas é o programa Mais Professores, lançado pelo governo federal com o objetivo de estimular a entrada de jovens no magistério. Embora recente, a política é vista por especialistas como um passo inicial positivo. “É um convite à juventude, mas está longe de ser suficiente. É preciso estruturar políticas duradouras de valorização e formação docente”, afirma Andrea Luize.

Outra questão relevante é a distribuição desigual de professores pelo território e entre as disciplinas. Enquanto cursos como Pedagogia têm grande número de formandos, há escassez de profissionais em áreas como Física, Química e Matemática, especialmente em regiões periféricas. “Esse fenômeno, chamado de escassez oculta, revela que não basta ter professores em número absoluto, é preciso garantir sua presença onde mais se precisa deles”, alerta Waltenberg.

Ademais, há um impacto direto da desvalorização da docência na qualidade da educação. O ciclo se retroalimenta: menos atratividade resulta em menos candidatos qualificados, o que leva à contratação de profissionais menos preparados ou não licenciados — um problema comum, sobretudo em áreas remotas ou de alta vulnerabilidade. Esses profissionais, por sua vez, enfrentam maiores desafios para promover o aprendizado, perpetuando um ciclo de defasagem.

Para interromper esse ciclo, especialistas defendem políticas integradas. Entre as propostas, estão a expansão da residência pedagógica, melhorias nos planos de carreira, formação continuada obrigatória e estímulo à inovação pedagógica. “A escola precisa se tornar também um lugar de crescimento profissional e de pertencimento. O professor deve sentir que faz parte de algo maior”, diz Andrea Luize.