Convivência ética: essencial para a saúde mental na escola
A convivência ética emerge como um pilar essencial, não apenas para o bom funcionamento do ambiente educacional, mas, de forma intrínseca, também para a promoção da saúde mental de uma geração que enfrenta desafios crescentes
Artigo publicado no Nexo em 04/06/2025
A escola, mais do que um espaço de aprendizagens e conhecimentos, é um ambiente de socialização fundamental para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Nela, as interações diárias favorecem a construção de valores, habilidades sociais e a percepção de si e do outro. Nesse contexto, a convivência ética emerge como um pilar essencial, não apenas para o bom funcionamento do ambiente educacional, mas, de forma intrínseca, também para a promoção da saúde mental de uma geração que enfrenta desafios crescentes.
A convivência ética como antídoto à violência e desrespeito
Convivência ética na escola significa construir um ambiente pautado no respeito mútuo, na empatia, no diálogo, na valorização das diferenças e na responsabilização individual e coletiva. É o oposto de um cenário em que o bullying, a exclusão, a discriminação e outras formas de violência se proliferam. Quando a escola prioriza a ética na convivência, ela se torna um espaço seguro, onde os alunos se sentem acolhidos, valorizados e protegidos.
A importância da convivência ética reside na sua capacidade de fomentar a inteligência emocional, a resolução pacífica de conflitos e a generosidade. Escolas que investem em programas de convivência desenvolvem um “clima escolar” positivo. Esse clima, por sua vez, está diretamente associado a melhores resultados acadêmicos e, crucialmente, a uma melhor saúde mental dos estudantes. Quando eles se sentem seguros e pertencentes, o estresse diminui, a estima de si aumenta e a probabilidade de desenvolver transtornos mentais pode ser reduzida.
Um olhar alarmante sobre a saúde mental da juventude brasileira
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define saúde mental como: “Um estado de bem-estar em que o indivíduo reconhece suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses normais da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera, e é capaz de contribuir para sua comunidade”.
O cenário atual da saúde mental de crianças e adolescentes no Brasil é preocupante e demanda atenção urgente. Dados de 2024 mostram que o país ocupa o quarto lugar entre os piores índices de saúde mental em um ranking global, que analisou as emoções das pessoas em 71 países. Embora não se refira exclusivamente a jovens, esse dado reflete um panorama geral de sofrimento mental que se estende às novas gerações.
Uma análise realizada pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz Bahia, com base em dados do Ministério da Saúde, revelou um aumento alarmante: entre 2011 e 2022, a taxa de suicídios na faixa etária entre 10 e 24 anos cresceu 6%, e a de autolesões, 29%. Esses percentuais superam os registrados na população geral no mesmo período, evidenciando a vulnerabilidade específica de crianças e adolescentes. Cerca de 3.200 crianças entre 5 e 14 anos tiraram a própria vida no Brasil entre 2000 e 2021, segundo registros do Ministério da Saúde, um dado que choca e exige profunda reflexão.
Pela primeira vez no Brasil, os registros de ansiedade entre crianças e adolescentes superaram os de adultos (Datafolha, 2024). Com base em dados da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) do SUS, referentes ao período de 2013 a 2023. Em 2023, a taxa de pacientes de 10 a 14 anos atendidos por transtornos de ansiedade foi de 125,8 a cada 100 mil e a de adolescentes (15 a 19 anos) atingiu 157 a cada 100 mil. Já entre pessoas com mais de 20 anos, a taxa foi de 112,5 a cada 100 mil. Além disso, os dados indicam que 13% dos jovens de 16 a 24 anos avaliam sua saúde mental como ruim ou péssima, o maior índice entre todas as faixas etárias.
O caminho à frente: promovendo a ética e o cuidado
Diante desse cenário, a promoção da convivência ética na escola deixa de ser apenas uma meta pedagógica e se torna uma estratégia de saúde pública. É imperativo que as escolas invistam em:
Educação socioemocional: desenvolver currículos que reflitam sobre empatia, inteligência emocional, resolução de conflitos, respeito às diferenças e comunicação construtiva;
Canais de diálogo e escuta: criar espaços seguros para que alunos, professores e pais possam expressar suas preocupações, medos e dificuldades, sem julgamentos;
Combate ativo ao (ciber)bullying: implementar políticas claras de combate ao bullying, com ações preventivas e
interventivas em casos de agressão, e programas de apoio tanto para alvos quanto para autores;
Parceria família-escola: fortalecer a comunicação e a colaboração entre a escola e as famílias, para que atuem de forma conjunta na identificação e no manejo de problemas de saúde mental e na promoção da convivência ética;
Formação continuada de educadores: capacitar professores e funcionários para identificar sinais de sofrimento mental e bullying, e para atuarem como mediadores e promotores de um ambiente acolhedor;
Acesso a suporte psicológico: garantir que haja acesso a profissionais de saúde mental dentro ou em parceria com a escola, para oferecer o suporte necessário aos alunos; e
Ambiente físico acolhedor: repensar os espaços físicos da escola para que sejam mais convidativos e propiciem interações positivas e seguras.
Vale destacar que a equipe tem papel fundamental na promoção do bem-estar dos alunos. Para isso, é essencial o investimento em formações contínuas para os educadores, apoio institucional e articulação com a rede de proteção social e de saúde. E, claro, pensar no bem-estar da equipe escolar como condição essencial. A escola deve ser um espaço de acolhimento, escuta e construção de vínculos saudáveis para todos.
A convivência ética na escola não é um luxo, mas uma necessidade premente. Ao construir um ambiente escolar onde o respeito e a empatia são valores centrais, estamos não apenas formando cidadãos mais conscientes, mas, acima de tudo, protegendo a saúde mental e o futuro de nossa juventude.
Adriana de Melo Ramos é pós-doutora na área de formação de professores e doutora em educação pela Faculdade de Educação da Unicamp. Atua como coordenadora do curso de pós-graduação As Relações Interpessoais na Escola: das Competências Socioemocionais à Personalidade Ética, docente do curso de Pedagogia e pesquisadora e membro do NPEEI (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação e Infância), todos do Instituto Vera Cruz. Também é gestora integrada da Convivere Mais – Assessoria e Formação.
Mariana Tavares é psicóloga (06/94583), mestre e doutora em Educação pela Faculdade de Educação – Laboratório de Psicologia Genética da Unicamp. Também é integrante do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral) da Unesp (Rio Claro) e da Unicamp e pesquisadora do NPEEI (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação e Infância) do Instituto Vera Cruz. Além de atuar como professora da pós-graduação As Relações Interpessoais na Escola: das Competências Socioemocionais à Personalidade Ética, do Instituto Vera Cruz, e gestora do Núcleo de Pesquisa e Formações da Convivere Mais – Assessoria e Formação.