Há pouco mais de uma década, a educação antirracista começou a se consolidar nas escolas particulares de São Paulo, pressionadas por estudantes, famílias e educadores a ir além da inclusão pontual de autores negros e indígenas no currículo. O que surgiu como resposta a uma demanda urgente diante de episódios de racismo ganhou escala e estrutura: em 2025, instituições de referência contam com protocolos de reparação, módulos curriculares obrigatórios e projetos culturais permanentes que envolvem toda a comunidade escolar.
No Colégio Equipe, a Comissão Antirracista se transformou em eixo central da vida escolar. No próximo sábado, 30 de agosto, a escola promove a 3ª edição do Vozes e Ecos – Corpos que emergem, histórias que ecoam, encontro que reúne música, rodas de conversa e atividades culturais voltadas para discutir racismo estrutural e fortalecer o pertencimento da comunidade. Toda a arrecadação será destinada ao Projeto Proceder, que concede bolsas de estudo a jovens negros moradores de ocupações no centro da cidade.
Para a diretora Luciana Bittencourt Fevorini, “a Comissão Antirracista tem puxado atividades muito importantes para dentro do colégio, conectando discussões sobre cultura, história e contemporaneidade com a experiência concreta dos nossos alunos”.
O Equipe também desenvolve o Fórum Racial, que neste ano mobiliza alunos do Ensino Fundamental em oficinas sobre estética, culinária e cultura negra. “São vivências que permitem aos estudantes enxergarem a potência do legado africano e afro-brasileiro em diferentes dimensões do cotidiano”, explica Luciana. A parceria firmada com a Uninove é outro marco: ex-bolsistas do Equipe têm acesso a bolsas integrais de graduação, e duas alunas oriundas do Proceder concluem a universidade neste ano.
Na Escola Vera Cruz o destaque está na criação de novos protocolos de enfrentamento ao racismo dentro do ambiente escolar. Em um processo participativo que envolveu mais de 450 pessoas entre estudantes, famílias e profissionais, a escola desenhou um Plano de Ação para os próximos dois anos que prevê fluxos restaurativos em casos de injúria racial, com etapas de escuta, registro, mediação, cartas de reparação e roteiros diferenciados por faixa etária.
Esse desenho de fluxos restaurativos pode ser visto como referência no setor privado, onde ainda são raras as escolas que assumem protocolos claros e públicos para lidar com situações de racismo. A proposta não se limita a tratar casos pontuais: a instituição tem aprofundado o debate em rodas de conversa sobre branquitude, privilégios e pertencimento racial com alunos e famílias, deslocando a discussão da simples representatividade no currículo para uma reflexão crítica sobre estruturas sociais e relações de poder.
O trabalho também se consolidou de forma transversal. O Projeto de Vida e Convivência Ética passou a incluir um módulo obrigatório sobre relações étnico-raciais no Ensino Médio, acompanhado de rodas mensais de letramento. Essas práticas integram a rotina pedagógica e marcam um passo adiante na institucionalização da pauta.
O resultado mostra um cenário em que escolas antirracistas se tornaram laboratórios de metodologias replicáveis para o enfrentamento ao racismo. Tudo começou com a inserção tímida de autores negros e indígenas nos currículos, e hoje se traduz em ações estruturantes: protocolos claros, envolvimento massivo da comunidade, formação permanente de professores, parcerias externas e abertura de caminhos para estudantes negros ingressarem no ensino superior. A educação antirracista se firmou como compromisso institucional.