O Senado aprovou nesta quarta-feira o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA Digital. O projeto, que agora segue para sanção presidencial, estabelece regras para proteger crianças e adolescentes no ambiente online. Entre as medidas estão a retirada imediata de conteúdos ligados à exploração infantil, a exigência de verificação de idade para acesso a plataformas digitais, a criação de ferramentas de controle parental e a proibição de publicidade direcionada a menores.
A aprovação ocorre em meio a um debate crescente sobre a adultização precoce das crianças nas redes sociais, impulsionado pela repercussão do vídeo do influenciador Felca, que denunciou a exposição de menores em contextos de risco. A mobilização pública acelerou a tramitação de um projeto apresentado em 2022 e que agora se torna um marco regulatório no país.
Para os parlamentares, a lei cria instrumentos legais para enfrentar uma realidade que avançava sem freios. Mas, para educadores, a regulação só cumpre seu papel se vier acompanhada de formação crítica nas escolas e de corresponsabilidade das famílias.
Claudia Tricate, diretora do Colégio Magno/Mágico de Oz, destaca que o problema da adultização não se resolve apenas com algoritmos. “Não existem miniadultos, mas crianças e adolescentes crescendo. Muitas vezes, as mesmas crianças que têm liberdade para manter contas em redes sociais ainda precisam de intervenção dos pais para resolver conflitos. A mediação adulta continua sendo indispensável”, afirma.
Na Escola Vera Cruz, a coordenadora de tecnologia da educação, Juliana Caetano, enfatiza que proteger crianças significa prepará-las para o uso consciente. “A escola protege ao ensinar a usar. Quando os alunos se tornam usuários e produtores críticos, com consciência ética, ficam mais protegidos de usos inadequados. Não adianta apenas proibir: é preciso formar.”
A pedagoga Adriana Ramos, coordenadora do curso de pós-graduação em Relações Interpessoais do Instituto Vera Cruz, considera que a legislação cria uma base necessária, mas insuficiente. “O marco regulatório é importante para estabelecer limites claros às plataformas e dar instrumentos às famílias. Mas o que realmente protege as crianças é o trabalho cotidiano de formação do senso crítico, construído nas experiências de convivência ética que a escola oferece. Adultização não se combate apenas com normas, mas com práticas educativas que ajudam crianças e adolescentes a compreenderem seu lugar no mundo”, afirma.
O desafio, segundo os educadores, é equilibrar proteção e autonomia. No Colégio Equipe, projetos de humanidades têm aproximado adolescentes de discussões sobre política, ética e sociedade, sempre relacionadas ao impacto das redes digitais. No Centro Educacional Pioneiro, a convivência ética é trabalhada em assembleias de classe e rodas de conversa, ajudando os alunos a lidar com frustrações e escolhas em um mundo hiper conectado. Já no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, projetos de linguagens exploram como a vida familiar e doméstica foi transformada pela presença constante das telas, incentivando uma reflexão crítica sobre os limites entre infância e exposição.
A inteligência artificial, embora não seja tema central da nova lei, aparece como parte desse debate mais amplo sobre tecnologia e infância. Claudia Tricate explica que, no Magno, os alunos não apenas usam ferramentas de IA, mas também investigam como elas funcionam. “Quando bem mediadas, as ferramentas digitais não reduzem o senso crítico, mas o ampliam. Podemos usá-las para comparar perspectivas, analisar possibilidades e propor soluções para problemas reais”, diz. No Vera Cruz, professores de todos os níveis vêm sendo formados para integrar a IA aos planejamentos de aula, sempre com a intencionalidade pedagógica de estimular autoria, ética e reflexão.
Para todas as escolas, a mensagem é semelhante: a tecnologia só cumpre um papel positivo quando inserida em um projeto educativo consistente e acompanhado de perto por adultos.
A aprovação do ECA Digital é um passo importante na criação de freios institucionais para a exploração da infância no ambiente digital. Mas, segundo os educadores especialistas na área, nenhum marco regulatório substitui o trabalho diário de mediação entre escola e família.