Experiências interdisciplinares mostram como a educação prepara os alunos para lidar com a crise climática.
A menos de dois meses da COP30, que vai reunir líderes mundiais em Belém para debater soluções contra a crise climática, escolas brasileiras mostram que a preparação para esse futuro também passa pelas salas de aula. No Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, estudantes do ensino médio e técnico desenvolvem projetos de captação e tratamento de água da chuva, geração de hidrogênio como combustível verde e automação para eficiência energética. Essas experiências aproximam os jovens de problemas ambientais reais e os desafiam a buscar respostas práticas.
O aumento dos relatos de ecoansiedade entre adolescentes, marcado pelo medo do futuro diante da crise climática, tem colocado pressão sobre escolas e sistemas de ensino para que assumam um papel mais ativo na formação ambiental. Não se trata apenas de acrescentar conteúdos ao currículo, mas de criar experiências que ajudem os jovens a compreenderem os riscos, desenvolver habilidades de adaptação e sentir que podem contribuir com soluções. Relatórios do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da UNICEF indicam que a educação precisa preparar a nova geração para enfrentar eventos extremos, analisar impactos e agir de forma crítica e colaborativa diante dos desafios ambientais.
Nesse cenário, o Liceu aposta em projetos interdisciplinares que unem ciência, tecnologia e sustentabilidade. Em parceria com professores de Biologia e Química, alunos desenham e prototipam sistemas de reaproveitamento de água, estudam a segurança biológica necessária para evitar contaminações e testam a automação desses processos. Outros grupos investigam como sensores podem reduzir o gasto energético em ambientes escolares e exploram kits de eletrólise para separar hidrogênio da água, entendendo na prática o potencial dos combustíveis limpos.
A coordenadora de Ciências da Natureza, Nicolle Reuter, explica que a ideia é aproximar os conteúdos científicos de problemas urgentes da vida cotidiana. “Quando o estudante percebe que a água da chuva pode ser reaproveitada e que existe um risco biológico que precisa ser controlado, ele entende que a ciência não está distante. Ela é ferramenta para pensar a sobrevivência das pessoas e a preservação do planeta.”
Wiliam Sabino, coordenador de Matemática, acrescenta que a tecnologia só faz sentido quando conecta teoria e aplicação. “O uso da automação para controlar iluminação ou monitorar consumo energético não é apenas uma simulação em sala. É uma oportunidade para discutir de onde vem a energia, como ela é usada e de que forma pode ser economizada. Os alunos analisam causas, consequências e possíveis soluções.”
O coordenador do curso Técnico de Automação Industrial, Sérgio Melconian, reforça que a interdisciplinaridade é chave para que os jovens enxerguem os problemas em toda a sua complexidade. “Projetos como o de captação e tratamento de água nasceram da integração entre Biologia, Química e disciplinas técnicas. Primeiro, os alunos simularam o sistema em software. Agora avançam para a prototipagem, enfrentando desafios reais, como evitar a proliferação de microrganismos na água. Essa transição do papel para o protótipo é fundamental para formar estudantes preparados para pensar soluções no mundo concreto.”
Além dos projetos em andamento, o Liceu estruturou um Laboratório de Eficiência Energética financiado pela Enel, com investimento de mais de um milhão de reais. O espaço vem sendo utilizado por professores de diferentes áreas e permite simular cenários de consumo, testar sensores e avaliar impactos ambientais de decisões técnicas. Para Sérgio, o laboratório amplia as possibilidades pedagógicas. “Nossa intenção é que o aluno compreenda o funcionamento de um sistema, mas também seja capaz de julgar se ele é sustentável. Não basta automatizar por automatizar. É preciso pensar o custo, a eficiência e o impacto social e ambiental.”
A aplicação prática é constante. Um exemplo nasceu de um problema observado em laboratórios da própria escola: a umidade que danifica lentes de microscópios e pode causar contaminações. A partir daí, os estudantes desenvolveram um sistema de controle de temperatura e umidade. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para a preservação de acervos em museus e bibliotecas, inspirado em visitas técnicas ao MASP, onde observaram como climatização e luminosidade afetam a conservação de obras de arte.
A cultura maker também se integra à sustentabilidade. Alunos usaram impressoras 3D para criar cases de proteção para placas eletrônicas instaladas em ambientes úmidos, trabalho que nasceu de uma situação real do Liceu: a umidade no sistema de bombeamento de água que protege a escola em caso de incêndio. O projeto foi testado, ajustado e reaplicado até chegar ao encaixe ideal, mostrando como o aprendizado parte de problemas concretos.
A educação interdisciplinar praticada pelo Liceu está alinhada ao que o Banco Interamericano de Desenvolvimento recomenda como prioridade: formar uma geração capaz de compreender riscos climáticos e atuar de forma criativa e crítica para enfrentá-los.
A COP30 deve reforçar essa pauta no debate público, mas o que acontece no Liceu mostra que o movimento já começou. Como resume Nicolle Reuter, “a educação climática precisa deixar de ser discurso para se tornar prática. Quando o aluno constrói um sistema de reaproveitamento de água, ele não apenas aprende ciência. Ele entende que pode fazer parte da solução.”