Lei que proíbe celulares traz ganhos à rotina escolar, mas mantém o desafio da cidadania digital
Matéria publicada no Estadão em 26/09/2025
Desde janeiro de 2025, celulares estão oficialmente proibidos nas salas de aula em todo o Brasil. A mudança veio com a sanção presidencial da Lei nº 15.100/2025, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para restringir o uso de aparelhos eletrônicos pessoais durante as atividades escolares, exceto quando houver finalidade pedagógica autorizada pelo professor.
Nas redes públicas e privadas, muitas instituições adotavam regras próprias de limitação ao uso do celular antes da legislação federal, que apenas consolidou práticas já existentes. Na escola Vera Cruz, em São Paulo (SP), por exemplo, o uso de celulares em sala de aula já era proibido antes da lei. “A partir do 6º ano, eles não podiam entrar com o celular nas salas, salvo em situações planejadas com finalidade pedagógica”, afirma Daniel Helene, coordenador pedagógico do ensino fundamental.
Mudanças
Mas isso não quer dizer que a nova lei não tenha trazido mudanças. As mais perceptíveis, segundo Helene, ocorreram fora das aulas. Antes, cerca de 20% dos alunos costumavam se reunir em rodas durante o recreio para assistir a vídeos nos celulares. “A proibição fez com que os alunos passassem a conversar de outras maneiras”, diz.
No Colégio Adventista, com unidades na região do ABC e no litoral paulista, também já existiam diretrizes internas sobre o tema. Mas, com a promulgação da lei, essas regras foram reforçadas e acompanhadas de ações práticas, como campanhas de conscientização e reuniões com pais e alunos. “Houve um aumento na participação durante as aulas. A ausência do celular reduziu as distrações e facilitou a construção de um ambiente mais colaborativo”, relata o diretor-geral, Cleyton Guimarães Costa.
Também já se percebem outros sinais interessantes com a redução do uso excessivo de celulares no dia a dia, no período fora da escola, o que trazia efeitos negativos também do ponto de vista da saúde mental de crianças e adolescentes. “A ansiedade, especialmente nos momentos que antecediam o intervalo e a troca de professores, diminuiu com o tempo. A concentração e o envolvimento nas aulas aumentaram significativamente. O ambiente está mais fluido, e os professores conseguem desenvolver os conteúdos com mais profundidade”, diz Rosemary Pontes, diretora pedagógica da rede de colégios Multiverso Educação, do Ceará. Para ajudar nessa transição, escolas da rede ampliaram as opções de atividades nos intervalos, oferecendo jogos de cartas, gamão e até karaokê.
“Houve um aumento na participação durante as aulas. A ausência do celular reduziu as distrações e facilitou a construção de um ambiente mais colaborativo”
Cleyton Guimarães Costa, diretor geral do Colégio Adventista
Impactos iniciais
O apoio também precisa vir das famílias dos alunos, e o engajamento delas tem sido decisivo para que a regra funcione na prática. No Vera Cruz, o diálogo com os pais foi conduzido junto à Organização de Famílias da escola, garantindo adesão e entendimento.
“Com as famílias não há embate ou conflito, mas observamos a manutenção de alguns comportamentos, como pais que querem conversar com os filhos por mensagem durante o período escolar. Aos poucos, fomos restringindo o uso dos aparelhos a momentos muito específicos: os alunos podem trazer os celulares, mas usam apenas no horário da chegada, no recreio e no horário de saída”, comenta Helene.
Se já são claros os sinais positivos no comportamento, na saúde mental e na convivência entre os alunos, ainda é cedo para medir impactos na aprendizagem. Mesmo assim, os relatos de professores sobre o aumento da fluidez nas aulas, menor número de interrupções e maior aproveitamento dos conteúdos são encorajadores.