Falar sobre tecnologia na escola é tratar de educação e escolhas políticas, diz Paulo Blikstein
Durante o Seminário Sesi Senai de Educação, o professor brasileiro da Universidade de Columbia ressaltou o quanto a lacuna pedagógica (e não apenas a tecnológica) pode prejudicar o futuro de crianças
Matéria publicada pela Porvir em 17/03/2023
A educação do futuro já existe. Inclusive no Brasil. Com professores bem formados e apoio tecnológico, são oferecidas aulas e projetos que permitem aos estudantes se expressar, têm propósito pedagógico e estão conectados à resolução de problemas. Só que esse mundo está quase sempre restrito às escolas de elite.
Em palestra nesta sexta-feira (17) durante o Seminário Internacional Sesi Senai de Educação realizado em Brasília (DF), Paulo Blikstein, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, disse que se comete um erro e uma injustiça dizer que escolas públicas não podem ter acesso a determinadas tecnologias por serem caras. “A discussão sobre novas tecnologias não é apenas técnica, mas também envolve o modelo de educação e as escolhas políticas. Indiretamente, estamos dizendo a algumas crianças que elas não podem ter. Isso é uma mensagem de exclusão, pois implica que apenas uma parte das crianças poderá criar um futuro”.
Além das dificuldades de acesso que evidenciaram as lacunas tecnológicas, principalmente durante a pandemia, Paulo enfatizou que tão importante quanto olhar para a brecha digital é a brecha pedagógica. É necessário entender que há crianças que podem realizar seus projetos e outras que não podem. Afinal, são essas crianças com uma experiência de aprendizagem profunda que terão acesso às melhores universidades.
Durante sua apresentação no seminário, Paulo também fez uma linha do tempo iniciada no final do século 19, que dialoga com os argumentos usados atualmente para a venda de produtos de tecnologia educacional. Alguns pontos apresentados mostravam engenhocas que transferiam informações para o cérebro das crianças; outros mostravam professores sendo substituídos por videoaulas com mecanismos de punição física aos estudantes que erravam os exercícios.
Apesar de caricaturais, é notório que muitos sistemas de videoaulas ou aplicativos de aprendizagem “personalizados” ou tutoria eletrônica funcionam dessa forma, pois o aluno não sofre punições físicas, mas as punições são igualmente prejudiciais.
“Neste discurso das máquinas de ensinar, são colocadas máquinas muito simples que substituem parte do trabalho do professor, testam o aluno e oferecem resultados imediatos. É um discurso enganoso. Em outras palavras, como eles vão permitir que o aluno vá no seu próprio ritmo? Isso é paradoxal”, ressaltou.
Para exemplificar, Paulo mostrou uma imagem de um projeto de arte na Tailândia, no qual a comunidade vende quadros figurativos. O detalhe é que essas telas são pintadas por elefantes: um treinador move a orelha do animal, que leva os pincéis na mesma direção. “Os elefantes não estão criando, mas apenas seguindo o que o treinador comanda. Essa é uma metáfora para o nosso sistema educacional: criamos um controle remoto para nossos alunos, com provas, achando que eles estão produzindo, mas na verdade, estão apenas seguindo esses sistemas”, define. “Temos que ter cuidado para não criar sistemas desse tipo, que tiram a agência e a autonomia do aluno e os transformam em elefantes pintores de quadros”.
Cuidados com a personalização
O professor da Universidade de Columbia também refletiu sobre como certas promessas de melhoria na educação trazidas por fabricantes de eletrônicos e software se repetem ao longo do tempo, sempre com um discurso de solução mágica. “A tecnologia refaz a educação à sua imagem, selecionando apenas as partes que cabem na tecnologia e no modelo de negócio, sempre dizendo que essas partes são o todo”.
“Precisamos de filtros para ler as questões de tecnologia e inovação”
Diante disso, Paulo afirmou que é necessário olhar para as tecnologias pensando em qual fatia corresponde à educação. “Temos de entender onde elas são boas e como cabem em nossos sistemas educacionais. A maneira como isso é vendido para o sistema não fala que se trata de apenas um pedaço, mas do todo, que vai substituir, otimizar, revolucionar… É esse discurso hiperbólico e exagerado que causa muitos dos problemas que temos no sistema público de educação, que acaba comprando essas soluções sem saber que não estão adquirindo uma revolução. Precisamos de filtros para ler as questões de tecnologia e inovação”. Armadilhas estão presentes em qualquer lugar e, para exemplificar, ele leu um trecho de uma reportagem da revista americana Time:
“Imagine dois grupos de alunos. Um está sentado rigidamente em fileiras, memorizando equações. O segundo grupo está com seu professor no alto de um prédio. Abaixo, eles veem o padrão feito pelas zonas comerciais e industriais, cercadas pelos bairros residenciais mais verdes. Eles descem para a rua. Exploram sua cidade de perto. Então eles voltam para suas salas de aula, comparam anotações, discutem o que está certo e errado com a cidade e o que fazer a respeito. A educação progressiva baseia-se na teoria de que as escolas devem ser adaptadas às necessidades das crianças e da sociedade cada vez mais complexa em que estão sendo treinadas para viver. E essa teoria não é novidade: ela é praticada há mais de 20 anos, mas principalmente em escolas.”
O discurso permanece atual, mas a reportagem foi publicada em 1939.
Exemplo nacional
Para mostrar que é possível desenvolver atividades relevantes com tecnologia em escola pública brasileira, um projeto realizado em Sobral (CE) mostra como corrigir rumos a partir de dificuldades na integração curricular.
As escolas da cidade passaram a ter um professor de redesenho pedagógico, que apoia o professor nas atividades criativas e imagina novos caminhos para conversar com o currículo tradicional. Essa estratégia foi criada para tratar de um dos principais problemas encontrados quando foram criados laboratórios maker. Não havia quem pudesse operar o espaço e elaborar sequências didáticas.
“Conversamos com a secretaria e dissemos que teríamos que mudar o currículo regular. Não dava para ter só extraclasse, em que dez dos melhores alunos participam. Ou todo mundo participa ou não há revolução. Era necessário mudar os planos de aula para ter aulas diferentes. Não dá para ter aula normal e dizer que nos dez minutos finais, quem terminar, vai para o laboratório maker”.
O trabalho de pesquisa do Transformative Learning Technologies Lab para ensino e aprendizagem pode ser conhecido neste link.
Sobre o seminário
O seminário faz parte da programação do Festival Sesi de Robótica, com a participação do governo e de especialistas da área de educação, gestores, coordenadores e docentes. A edição é gratuita e direcionada a pedagogos da rede pública e particular de ensino, diretoria e gestores da CNI (Confederação Nacional da Indústria), do Sesi e do Senai, especialistas e gerentes de educação de empresas e formadores de opinião com atuação em educação, inovação e tecnologia.
*O jornalista acompanha o evento em Brasília a convite do Sesi