Ensino híbrido deve contemplar a educação inclusiva
Texto publicado pela Diversa e escrito por Rodrigo Barbosa e Silva do TLTL em 20/04/2023
Especialistas abordam a necessidade e maneiras de promover uma perspectiva inclusiva no modelo de educação híbrida
A trágica pandemia de Covid-19 trouxe novos desafios para o sistema educacional brasileiro. Temas como sociabilidade, desgaste emocional, perdas de entes queridos e ansiedade causada por problemas econômicos e de saúde pública entraram no cotidiano das equipes profissionais da educação. Além do desgaste humano, continuar provendo atividades de ensino e aprendizagem sem acesso direto à escola foi um dos maiores desafios enfrentados na história da educação mundial.
A continuidade das atividades na educação especial teve desafios que não foram previstos em políticas públicas anteriores e demonstraram que a falta de recursos de tecnologias atrapalha o processo de ensino e aprendizagem.
Com as persistentes carências dos sistemas educacionais brasileiros, o Conselho Nacional de Educação (CNE) empreendeu análises, debates e consultas públicas para a regulamentação da educação híbrida. Foram levadas em conta teorias que podem orientar o assunto, experiências nacionais e internacionais, e as possibilidades técnicas de ampliação da oferta de educação com qualidade no país.
Importância das tecnologias assistivas
Em junho de 2022, o Transformative Learning Technologies Lab (TLTL) da Universidade de Columbia apresentou ao CNE reflexões/sugestões referente a aspectos pedagógicos, tecnológicos e sociais de práticas híbridas nos espaços educacionais brasileiros.
Essa base de conhecimentos foi compilada no relatório técnico “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação com qualidade, equidade e inclusão”. Chamamos a atenção para a necessidade de contemplar na eventual regulação de atividades de ensino ou aprendizagem híbridas a modalidade de educação inclusiva.
Infelizmente, ainda há uma falta de atenção para o público-alvo da educação especial que, conforme o Censo Escolar (Brasil, 2021), representa 1,3 milhão de alunos. Durante a pandemia, crianças e jovens com deficiências, transtornos de desenvolvimento e altas habilidades não tiveram acesso aos mesmos ambientes e ao processo de ensino-aprendizagem que os demais.
Evidenciou-se aquilo que pesquisas na área apontam há décadas: falta de estruturas tecnológicas, conectividade, valorização docente e suporte às famílias e estudantes. Mesmo fora de seu ambiente físico primordial, a educação deve ir além da transmissão de conhecimento.
Tecnologias assistivas são fundamentais para melhorar o ensino e a aprendizagem, criando possibilidades de inclusão e acesso equânime a oportunidades de educação. No entanto, quando se pensa no modelo de aprendizagem híbrida, é preciso compreender as barreiras que são criadas para estes estudantes. Disponibilizar apenas computador com conexão não garante inclusão social e tampouco aprendizagem.
Se nós, docentes adultos, já temos dificuldade de nos concentrar em videoconferências, como podemos esperar que uma criança ou jovem que na escola presencial conta com um atendimento especializado tenha o autogerenciamento para sozinha, de sua casa, participar de atividades remotas? Como conciliar a necessidade de trabalho para sustento da família com o acompanhamento das atividades de estudantes fora do ambiente escolar?
Trabalho colaborativo
Crianças e jovens precisam de um educador preparado para mediar a relação com seu aprendizado. Inclusive, essa é uma conquista da resolução CNE/CEB n.º 2/2001, na qual os professores de classe e de Atendimento Educacional Especializado (AEE) devem trabalhar juntos para identificar as dificuldades pedagógicas dos estudantes e planejar ações que possibilitem sua participação ativa na classe comum.
Durante a pandemia, muitas escolas enfrentaram problemas logísticos e estruturais para planejar uma educação inclusiva e colaborativa entre os professores. Estar ciente das necessidades específicas dos alunos com deficiência e trabalhar para remover barreiras é um ponto essencial de se considerar antes de propor uma alteração no cenário do cotidiano escolar.
Dessa forma é possível avaliar se medidas como a aprendizagem híbrida tem sentido para o seu grupo e garantir a inclusão, que é um direito garantido constitucionalmente e de interesse da sociedade.
Cenário atual
Em fevereiro de 2023, mais uma vez o TLTL enviou uma carta de acordo com o edital de chamamento pedindo atenção para o tema. Foram indicadas algumas melhorias nas diretrizes que poderiam levar as redes a também atenderem aos requisitos técnicos necessários para continuarem a promover a inclusão educacional.
Para isso, foi sugerida a menção explícita na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) nas diretrizes, visto que é um documento orientador de políticas públicas importante para a organização dos diferentes níveis de governança educacional no país. Trata-se, também, de uma garantia que grupos que se dedicam à educação especial tenham a guarida da política pública oficial para fazerem avançar a sua agenda nas áreas de tecnologias e suporte às melhores práticas.
Sugere-se que entidades referência na área, como o Instituto Rodrigo Mendes (IRM) e grupos de pesquisas tenham seus trabalhos e colaborações atendidas na normatização sobre processos híbridos de ensino e aprendizagem, garantindo assim que 1,3 milhão de estudantes tenham suas necessidades respeitadas e atendidas por políticas públicas modernas e inclusivas.
A construção de um país mais justo e igualitário demanda que políticas públicas educacionais, principalmente com tal amplitude e importância, apontem decisivamente a necessidade de atendimento de todas as crianças, jovens e profissionais dos sistemas público e privado de ensino.
A educação inclusiva tem uma história de lutas e de sucessos na promoção da inclusão, do respeito e da participação na formação cívica, social e profissional de estudantes que, por décadas, foram ignorados pelas políticas públicas.
A subscrição do direito universal à educação tradicional, híbrida, ou em qualquer outra modalidade, levará a um sistema cada vez mais equânime e um serviço público que atenda aos interesses coletivos nacionais. Para isso, esperamos que a regulação em debate pelo Conselho Nacional de Educação consagre no texto da política pública sobre atividades híbridas as necessidades, as práticas e a atuação da educação inclusiva brasileira.
Mariana Lederman Edelstein é doutoranda em Ciências da Aprendizagem pela Universidade de Nova York e mestre em Educação pela Universidade de Stanford.
Rodrigo Barbosa e Silva é doutorando em Mídia e Tecnologia para Aprendizagem na Universidade de Columbia, mestre em Aprendizagem, Design e Tecnologia pela Universidade de Stanford e bacharel em Comunicação Social pela ESPM, com especialização pela Fundação Getúlio Vargas.
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