O desafio de preparar aulas significativas, que dialoguem com a realidade dos estudantes, é ainda mais evidente para os professores em escolas bilíngues
Para dar aulas de inglês, Rita de Cassia Rodrigues Henrique teve que estudar culinária. E também sobre bullying. Mais para frente, tem certeza que vai mergulhar em muitos outros temas, embora ainda nem saiba quais. “Meu trabalho não é só oferecer conhecimentos do idioma, mas vivências. Acredito numa educação humanizada, que não vai só passar conteúdos, mas se envolver no cotidiano do aluno. Tenho um programa a seguir, mas mantenho o olhar no humano, para identificar os sentimentos de quem está comigo em sala”, afirma ela, que é professora do Colégio Objetivo Barra, no Rio de Janeiro.
Para manter aulas que se relacionem com a realidade de seus alunos, além das formações específicas da sua área, ela tem que se dedicar a assuntos muito diversos. “Isso exige da gente uma preparação de leitura e pesquisas de forma autônoma – mas os livros e a internet estão à nossa disposição”, diz. Segundo ela, esse esforço serve também como um bom exemplo para os estudantes. “Sempre falo que conheci do assunto com base em certos autores, e pergunto aos meus alunos o que eles já sabem do tema, se leram outras pessoas, conhecem outras ideias.”
O desafio de preparar aulas significativas, que dialoguem com a realidade dos estudantes, existe para docentes de todas as disciplinas e etapas de ensino, mas é ainda mais evidente para os professores em escolas bilíngues, acredita Andreia Fernandes, coordenadora acadêmica no Edify. “Por sua própria natureza, a educação bilíngue é um terreno transdisciplinar, visto que o aprendizado de uma outra língua envolve uma pluralidade de perspectivas culturais, trazendo maiores esclarecimentos sobre diferentes valores e visões de mundo, que comportam analogias e desconformidades”, afirma.
Portanto, na perspectiva bilíngue, o docente deve ajudar o aluno a usar a língua como um instrumento para análise de diversos problemas mundiais. “Ao serem expostos às contrastantes realidades sociais, culturais, econômicas e educacionais, os jovens têm a chance de vivenciar uma educação mais aberta, que os tornem aptos a exercer a cidadania global para a construção de um mundo de compreensão mútua mais intensa”, diz Andreia.
Esse tipo de desenvolvimento transdisciplinar e transcultural, contudo, não implica reduzir a importância do domínio da língua com a qual se trabalha. O Conselho Nacional de Educação (CNE) toma como base o nível de proficiência linguística B2 do CEFR (Common European Framework), que é um padrão internacionalmente reconhecido para descrever a proficiência em um idioma.
“Além da capacitação linguística, o professor precisa entender o processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem, tanto nos fatores relacionados à forma, conteúdo e uso, bem como nos aspectos cognitivos e comunicativos, para que o aprendizado dos alunos de diferentes faixas etárias ocorra de forma harmônica em todas as suas esferas”, ressalta Andreia, da Edify.
O importante é que as duas coisas andem juntas. O professor tem que dominar o idioma adicional, mas não apenas isso. “O professor não pode ser escolhido por conta apenas do seu saber na língua adicional. Se for para matemática, é preciso ver se é especialista em matemática e se tem condições de ministrar a aula na outra língua”, afirma Fernanda Liberali, pesquisadora, formadora de professores e professora de pós-graduação em inglês da PUC-SP e de educação bilíngue do Instituto Singularidades.
Fernanda, portanto, critica a ideia de que avaliações externas e certificações sejam suficientes. “O ponto importante é aprender sobre as questões do bilinguismo, entender o conceito de interculturalidade”, diz. Para alcançar esse objetivo, tanto as instituições de ensino superior quanto as escolas bilíngues têm que trabalhar. “A gente deve ter como meta no país que os cursos superiores incluam uma disciplina, uma possibilidade de cursar esse tema na faculdade. E as instituições de ensino bilíngue têm que se responsabilizar pela formação contínua desse professor, numa proposta de construção permanente.”
Formação ampla e para todos
A formação de professores numa escola bilíngue não deve se limitar aos professores da língua adicional. “É fundamental que os professores de outras disciplinas participem de sessões de formação continuada junto com os professores da língua adicional para que de fato ocorra uma integração das diferentes áreas de conhecimento dentro de um contexto bilíngue”, diz Andreia.
Fernanda Liberali também defende uma formação ampla do corpo docente. “Todos os professores estão incluídos na prática de uma educação bilíngue, não só os da língua adicional. É preciso haver uma atitude bilíngue na escola inteira, o que perpassa uma ideia de interculturalidade”, explica.