O que aprendemos com a pandemia para o futuro do ensino híbrido no Brasil?
Matéria publicada pelo CanalTech em 16/05
O que aprendemos com a pandemia para o futuro do ensino híbrido no Brasil?
Como mudar um modelo de aprendizagem que prioriza muito mais a transmissão do que a construção do conhecimento? O que aprendemos com a pandemia sobre educação híbrida? E como a tecnologia pode nos ajudar a mudar o cenário, para um próximo passo, em que as competências socioemocionais seja o centro de um debate constante de aprimoramento, tanto do corpo docente quanto do discente? Essas e outras questões estiveram em pauta durante evento capitaneado pela edtech A Educação, no dia 29 de abril, no Dia Mundial da Educação, em Porto Alegre (RS).
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Com a pandemia de covid-19, houve uma aceleração da transformação digital em alguns nichos, inclusive na educação, já que a saída foi o ensino à distância, a partir de videoconferências em dispositivos eletrônicos. Muitas das mudanças que foram “forçadas” pelo momento de isolamento social já estavam em curso desde 2015.
“Todas as tecnologias aportaram de uma hora na sala de aula com a pandemia. A ‘chave’ foi virada meio que ‘à fórceps’, e a ideia agora é pensar em como manter essa transformação. A gente sabe que a tecnologia é meio, não é fim, e o importante é como se usa e de que forma os professores e a escola vão conseguir transformar seu dia a dia usando tecnologia”, lembrou Adriane Kiperman, diretora editorial da A Educação, na abertura do evento.
Educação focada nas competências socioemocionais
A reforma do modelo educacional é um assunto que se arrasta há décadas. E, embora a pandemia tenha colocado essa discussão em voga, diferentes abordagens na formação de professores, assim como a construção de novos currículos, já vêm sendo debatidos há anos. O próprio avanço da tecnologia tem deixado muitas aplicações técnicas obsoletas, pois a inteligência artificial já consegue aprender, progredir e realizar muita coisa sozinha.
Conforme os especialistas, é aí que entra o foco em uma educação voltada para as competências socioemocionais, que são aquelas desenvolvidas ao longo da aprendizagem e da experiência de vida — e que favorecem a capacidade de os indivíduos lidarem com suas próprias emoções.
O Institute for the Future, em parceria com a Dell Technologies, em pesquisa realizada com 20 especialistas globais em tecnologia, estudos acadêmicos e negócios, estimava em 2017 que 85% dos empregos que existirão em 2030 ainda não foram inventados. Esse foi apenas um dos dados citados por Gustavo Hoffman, fellow na Universidade de Harvard, que também trouxe um levantamento apontando que 60% das profissões tradicionais já podem ser realizadas por inteligências artificiais.
“As competências que nos trouxeram até aqui não nos levarão adiante. A expectativa é de que as pessoas em breve tenham seis carreiras diferentes ao longo da vida. Cada vez mais, as competências sociocomportamentais serão mais importantes, enquanto as competências técnicas ficarão obsoletas”, refletiu Hoffman. A saída, segundo ele, seria alto investimento em professores, que possam desenvolver novos currículos já a partir de tecnologias e metodologias disponíveis.Outro ponto importante é compreender exatamente o que significa o modelo híbrido de ensino que se difundiu durante a pandemia. “É preciso entendermos o que estamos chamando de híbrido na educação para que a gente consiga entender o potencial dessas tecnologias digitais daqui para frente”, destacou Lilian Bacich, coordenadora de pós-graduação em metodologias ativas no Instituto Singularidades.
Bacich também afirma que é necessário entender as questões que vieram com essa experiência de ensino híbrido. Um dos pontos mais discutidos nesse período foi o método de avaliação, que, basicamente, girava em torno da presença ou não do aluno durante a aula à distância. Mas, e se o estudante tivesse problemas com o dispositivo ou com a conexão, por exemplo? “É preciso entender o ensino híbrido para conhecer seu potencial. Apenas levar a tecnologia à instituição não faz diferença. É preciso fazer o aluno construir conhecimento”, disse.
Desenvolvimento da metodologia e tecnologias precisam andar de mãos dadas
Algumas iniciativas já vêm dando resultados e outras são promissoras para catalisar as mudanças necessárias no atual modelo de educação. Durante a pandemia, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) conseguiu migrar toda sua operação do ensino presencial para o híbrido em menos de uma semana.
Segundo o vice-reitor da PUC-PR, Vidal Martins, essa mudança não aconteceu, na verdade, em apenas seis dias. Desde 2014, a instituição vem experimentando as mais de 180 tecnologias diferentes para aprendizagem e passou a focar “na capacidade de o estudante construir, e não apenas de transferir conhecimento”.
Martins acrescenta que foram feitas experiências de avaliação e de aprendizagem, com ajuda de centros de suporte aos professores, para que eles pudessem compartilhar estudos e novidades. Isso, ao lado da formação continuada; e de investimentos nos núcleos de excelência em pedagogia e eventos que tragam estímulos de mudança, são ações que ajudam a realizar a migração para o estudo híbrido de forma a transformar o atual modelo de ensino.
“Interatividade, storytelling e criatividade não dependem da tecnologia. A formação docente precisa ter a noção de que a tecnologia é meio, e não fim”, frisou. Ou seja, a discussão e o desenvolvimento da metodologia são essenciais para a mudança.
Cada aluno também precisa poder aprender no seu tempo
A A Educação, fundada em 1973, vem investindo bastante em aquisições de startups e tecnologias proprietárias que possam unir anos de experiência no mercado editorial à oferta de plataformas, capacitação, conteúdo e serviços. Após se destacar em publicações sobre saúde mental e a área de Ciências Exatas durante a década de 1990, a empresa foi pioneira no ensino à distância no Brasil, no começo dos anos 2000.
Desde 2010, a A Educação vem apostando no setor de edtechs com a plataforma de soluções educacionais integradas SAGAH, que oferece conteúdo de ensino à distância para instituições de ensino superior, como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e a Universidade Paulista (UNIP).
Celso Kiperman, CEO da A Educação (Imagem: Reprodução/ A Educação)
Com a demanda por ensino híbrido e à distância, acelerada pela pandemia, a A Educação agora aposta no modelo de negócio chamado de Campus, que utiliza tecnologias de ponta com novas metodologias ativas. “A educação online era vista como de segunda categoria. A percepção de educação à distância mudou, e agora tem um uso mais efetivo. Estamos oferecendo um atendimento que prevê toda a jornada do estudante”, afirmou Celso Kiperman, CEO da A Educação.
O Campus oferece a instituições de ensino superior plataforma e tecnologias que aliam conteúdos imersivos a ambientes virtuais, laboratórios físicos e digitais, assim como ferramentas de avaliação e capacitação para gestão de indicadores que possam otimizar resultados acadêmicos. Durante o evento, os participantes puderam acompanhar uma oficina para trabalhos manuais onde era possível observar os cortes precisos de uma máquina a laser e uma impressora 3D em funcionamento.
Fagner Oliveira, diretor da Inovatech (Imagem: Reprodução/ A Educação)
Na Edtech Room da A Educação, os visitantes puderam observar imersão em conteúdo de várias disciplinas, a partir do uso de telas sensíveis ao toque e dispositivos de ambientes virtuais e realidade aumentada. Dessa forma, foi possível ver como um aluno ou professor podem encontrar facilmente na plataforma digital seus tópicos de interesse, assim como os materiais e objetos usados em práticas físicas.
Por exemplo, com essa tecnologia é possível selecionar um órgão do corpo humano e navegar com a realidade virtual ou aumentada nos detalhes de cada componente. Tudo interativo e cheio de informações alimentadas pelos professores, que, claro, guiam o conteúdo e as práticas. “O pensamento pedagógico tem que fazer com que um objeto 3D faça sentido na tela. É preciso juntar a tecnologia com a metodologia dos professores”, lembrou Fagner Oliveira, diretor da Inovatech, que falou sobre inovações na educação durante o encontro.
“Com a tecnologia, hoje é possível estender o tempo e o espaço durante a aprendizagem”, afirmou Oliveira. E esse talvez seja o mais importante passo nessa nova fase do ensino híbrido: estimular exercícios com a possibilidade de tentar mais vezes; errar, fazer de novo, aprender, em um ritmo mais apropriado para cada tipo de estudante, seja em um laboratório de imersão de última geração ou em plataformas que possam ser usadas em dispositivos mais simples na casa dos alunos.
Segundo Hoffman, de 80% a 90% do atual modelo de ensino é composto por exposição de conteúdo; e pesquisas indicam que, em 15 dias após a transmissão do conteúdo, os alunos se lembram só de 20% a 25% do que foi dito pelo professor. O estudante ter a opção def aprender no seu tempo, com práticas que possam ser realizadas em qualquer lugar e momento, ajudam no processo de aprendizado.
Laboratório de imersão Edtech Room, que possui dispositivos e plataformas com telas sensíveis ao toque, realidade virtual e aumentada
(Imagem: Reprodução/ A Educação)
“Cada aluno tem um ritmo de aprendizagem. O conteúdo deveria estar disponível a toda hora e em qualquer lugar, para o tempo de cada estudante. É preciso menos exposição e mais aplicação da teoria com o uso da tecnologia”, completa Hoffman.
*O jornalista viajou à Porto Alegre para o evento do Dia Mundial da Educação a convite do A Educação.