As escolas cívico-militares devem continuar? NÃO

Artigo de Claudia Costin publicado na Folha de SP em 22/07/2023

Quando trabalhava como diretora global de educação no Banco Mundial, fui informada de um pedido da Coreia do Sul. Queriam repensar sua educação para promover mais criatividade.

Era nos idos de 2014 e, embora já se falasse de inteligência artificial, estávamos longe de ferramentas como o ChatGPT. Mas, no ano seguinte, Martin Ford publicou um livro alertando o mundo sobre o que viveríamos nos próximos anos com a revolução digital e seu impacto no mundo do trabalho e na educação. O nome era sugestivo: “The Rise of the Robots” (“A Ascensão dos Robôs”, em tradução livre). Referia-se ao advento da inteligência artificial.

Segundo Ford, os robôs não seriam capazes de criatividade ou de resolução colaborativa de problemas complexos, competência vital para o século 21. Por isso achei tão interessante a preocupação dos coreanos. Afinal, em tempos em que inúmeros postos de trabalho estavam sendo extintos, dada a acelerada automação, fortalecer nos alunos aquilo que nos torna especificamente humanos seria primordial.

Nesse sentido, venho pensando na preocupação de alguns pais e professores no Brasil com a disciplina. Sim, não vamos nos iludir: disciplina é importante para a aprendizagem. Por isso mesmo, pesquisas sobre habilidades socioemocionais vêm destacando a relevância de se desenvolver autorregulação nos alunos. Mas atenção: ensinar o estudante a controlar impulsos está associado a formar para a autonomia, não para a mera obediência.

Essa busca de assegurar um ambiente escolar menos desorganizado levou alguns pais a se inspirar nas escolas militares, onde aparentemente o silêncio e uma ética de esforço vêm favorecendo um ensino de qualidade. Isso ocorre nas 14 escolas militares no Brasil, destinadas a filhos de militares, sob gestão do Ministério da Defesa. Nelas, a qualidade é assegurada por remunerações aos professores superiores às de escolas públicas, jornadas em tempo integral e equipamentos adequados ao processo de ensino. Mas há um elemento adicional: para além dos alunos oriundos de famílias militares, os melhores alunos de escolas públicas podem ter acesso a essas instituições por meio de uma prova bem rigorosa. Ou seja, a qualidade é da instituição e do corpo discente, antes mesmo de assistirem às aulas.

Outra coisa são as escolas cívico-militares, oferecidas por muitos municípios e alguns estados, até recentemente com incentivos financeiros do governo federal. Trata-se de escolas públicas regulares, em tempo parcial, que se beneficiam do apoio de policiais militares e bombeiros aposentados para assegurar a disciplina. Boa parte delas adota também um corte de cabelo e uniformes que lembram os policiais.

No curto prazo, tendem a contribuir para um aumento no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que mede a qualidade do ensino. Mas será que isso que assegura um progresso sustentável na preparação dos estudantes para a vida? Certamente que não. Afinal, não é domesticando os jovens que os prepararemos para o que o século lhes reserva, tanto no domínio do trabalho quanto no de uma cidadania informada.

Nunca foi tão urgente ensinar as novas gerações a pensar, formá-las para o pensamento matemático, científico, histórico e crítico. E já temos um modelo de escola pública que vem fazendo isso em escala, com a rede de escolas de tempo integral de Pernambuco —não por acaso, o melhor ensino médio do país.