Quantas escolas proíbem o celular no Brasil?

Quantas escolas proíbem o celular no Brasil?

Dos colégios do ensino fundamental e médio, da rede pública e particular, 28% vedam uso do telefone pelos alunos; controle da tecnologia ganha força para evitar distração dos alunos

Matéria publicada no Estadão em 07/08/2024

Quase três em cada dez (28%) escolas de ensino fundamental e médio públicas e particulares do Brasil proíbem o uso de celular pelos alunos. Outras 64% permitem, mas restringem o acesso aos telefones a determinados espaços e horários.

Embora os equipamentos possam funcionar como recursos pedagógicos, estudos mostram impactos do smartphone na aprendizagem e na concentração dos alunos, principalmente porque os distrai na aula. Além dos próprios colégios, grupos de pais têm se mobilizado para propor a desconexão – veto ao uso do celular até os 14 anos e das redes sociais até os 16.

Os novos dados são da pesquisa TIC Educação 2023, lançada esta semana pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, entidade multissetorial responsável pela governança da internet no País. Foram entrevistados 3.001 gestores de escola, por telefone, de agosto de 2023 a abril de 2024. Segundo o Ministério da Educação (MEC), há 130.918 estabelecimentos de ensino no País.

O controle sobre celulares tem crescido principalmente entre alunos menores: nas escolas que oferecem até os anos iniciais do fundamental (1º ao 5º ano), a proporção das que vedam o celular subiu de 32%, em 2020, para 43% em 2023.

Naquelas que oferecem até os anos finais do fundamental (6º ao 9º ano), a alta foi de 10% para 21%.

O estudo mostra também aumento do número de escolas que limitaram o uso de wi-fi pelos alunos. Do total de instituições de ensino fundamental e médio com internet, em 58% o acesso a esse tipo de rede sem fio é restrito pelo uso de senha (em 2020, eram 48%). A taxa de escolas com wi-fi liberado foi de 35% para 26%.

“Por um lado, as políticas educacionais têm buscado reduzir desigualdades de oportunidades de acesso e de desenvolvimento de habilidades digitais para os estudantes nas instituições educacionais”, diz Alexandre Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, à frente da pesquisa.

“Por outro, há reconhecimento de que a ampliação da conectividade só poderá ser considerada ‘significativa’ se a participação dos estudantes nos ambientes digitais se der de forma segura, responsável, crítica e adequada ao seu bem-estar”, acrescenta ele.

Thais Bozza, pesquisadora do grupo Gepem, da Unicamp e da Unesp, acredita que “proibir o celular na escola não garante que eles estejam mais focados na aula”. Nem trata o problema cada vez mais frequente de dependência de adolescentes pelo celular.

“Mesmo sem o celular, os alunos podem não estar focados na aula, mas sim em outros pensamentos e conversas. Além disso, há casos de escolas que proíbem o celular e eles usam tablets, que seria material pedagógico, para jogos e para conversar com colegas, por exemplo”, afirma Thais.

Ela defende planejamentos curriculares que incluam a conscientização sobre uso saudável e ético do celular, alertando não só sobre riscos de dependência e efeitos negativos, como também os perigos online. A adoção de atividades mais dinâmicas, que cativem o interesse dos alunos, é uma alternativa para fazê-los deixar o celular de lado e prestar a atenção na aula.

Como escolas lidam com isso na prática?

O Colégio Magno, em São Paulo, restringe o uso do celular ao intervalo das aulas e ao horário de entrada e saída dos alunos no fundamental 2 e no médio. “Assim como muitas escolas, fazemos tentativas. A principio, eles podiam usar de forma consciente, para fins pedagógicos. Mas isso não deu certo. Percebemos que os adolescentes não conseguem fazer autorregulação”, afirma a diretora geral Cláudia Tricate. “Os próprios pais nos pedem para restringir.”

A escola optou por bloquear o wi-fi para uso em redes sociais no período de aulas, mas não pretende confiscar celulares ou tomar medidas mais drásticas. “Nosso objetivo é aumentar a restrição e o controle, mas deixar alguma margem para que eles se controlem. Afinal, um adulto não estará o tempo todo atrás desse jovem para dizer se agora pode usar ou não”, acrescenta.

Já a Escola Tarsila do Amaral, na zona norte paulistana, nota aumento de pais preocupados em oferecer aos filhos uma vida mais offline. “Nossa escola tem preocupação em priorizar infância, incentivar a criança a brincar e, por isso, nossa proposta pedagógica não utiliza tecnologia”, afirma a coordenadora pedagógica Patrícia Bignardi.

A escola funciona desde a educação infantil (creche e pré-escola) até o 5º ano, último do fundamental 1 (até 10 anos de idade). Segundo Patrícia, não há conflitos com alunos que gostariam de utilizar o celular, pois se tratam de famílias que já os educam para ter momentos offline – ainda que alguns já tenham perfis em redes sociais e os utilizem em casa.

Ela reconhece, porém, que seria mais difícil manter um modelo totalmente sem celular se lidassem com adolescentes. “A própria família começa a ter mais dificuldade em controlar”, diz.

“Mas esse hábito de uso descontrolado começa na infância, quando pais colocam vídeos para as crianças assistirem até em restaurantes ou no carro, sem alternativas para lidar com o tédio, como cantar uma música, contar histórias ou conversar sobre como foi o dia”, afirma.

Desigualdades no acesso a internet

Segundo a TIC Educação 2023, 92% das escolas brasileiras de fundamental e médio têm internet (em 2020 eram 82%). O aumento foi maior em escolas rurais, onde a proporção passou de 52% para 81%, e em escolas municipais, nas quais aumentou de 71% para 89%.

Entre os estabelecimentos que não têm acesso à internet (8% do total), os principais motivos para a ausência de conexão à rede são falta de infraestrutura de acesso (66%), falta de infraestrutura de acesso na região da escola (63%) e alto custo de conexão (52%).

Um dado que chama a atenção é a alta da proporção de gestores que mencionam a falta de eletricidade na escola como motivo para não haver conectividade: subiu de 17%, em 2020, para 32% no ano passado.

O levantamento indicou que 90% das escolas de Ensino fundamental e médio têm ao menos um computador (desktop, notebook ou tablete). Nas instituições educacionais urbanas, a proporção é de 99%; nas de áreas rurais é de 75%. Entre as escolas municipais, 84% contam com ao menos um dispositivo, porcentagem que é de 97% nas estaduais e de 99% nas instituições particulares.


“Embora os dados de conectividade nas escolas evidenciem avanços concretos na disseminação do acesso à Internet e na presença de computadores nos estabelecimentos educacionais, ainda é possível observar desafios relacionados ao uso desses recursos pelos alunos”, complementa o gerente do Cetic.br/NIC.br.