Reportagem de hoje (17/03) do Estadão “Pandemia pode fazer com que 70% das crianças do Brasil não aprendam a ler, diz Banco Mundial” alerta sobre tragédia anunciada na aprendizagem e produtividade dos alunos se as escolas continuarem fechadas por causa da pandemia. Relatório do Banco Mundial analisou o impacto da covid na educação dos países da América Latina e Caribe.
A UNESCO estima que quase um bilhão de alunos em todo o mundo terão que ficar em casa por semanas ou meses. Em diversos países, incluindo o Brasil, universidades e escolas estão transferindo suas aulas para plataformas online. Dado que os estudantes estarão afastados das salas de aula por tempo indeterminado, é fundamental criar estratégias para garantir que eles possam continuar aprendendo de forma saudável e viável durante a crise.
Apesar do cenário nada animador, sete cientistas brasileiros de formações distintas e representando universidades e centros de pesquisa no Brasil e no exterior criaram um guia para professores e alunos interessados em ensinar e aprender durante o ensino remoto. Os cientistas mantêm um grupo de estudos – Ca. Br – especializado em Ciências da Aprendizagem que estuda como as pessoas aprendem e de como esse conhecimento pode ser aplicado para melhorar o ensino e aprendizagem. O Ca. Br é liderado pelo professor Paulo Blikstein, diretor do Transformative Learning Technologies Lab (TLTL), escola de pós graduação em Educação da Universidade de Columbia (EUA).
Enquanto a mídia vai sendo inundada pelo discurso de que a educação online é um caminho sem volta, capaz de substituir aulas presenciais, as Ciências da Aprendizagem são claras em demonstrar que não. “É ilusão achar que é possível mover a escola para dentro de casa em um passe de mágica. É impossível aplicar pelo ensino remoto o mesmo currículo aplicado nas aulas presenciais. É irreal considerar que os professores terão tempo de executar todos os seus planos de aula online e é cruel exigir que alunos – crianças e adolescentes – passem horas do dia em videoconferência”, diz Blikstein.
O primeiro passo, segundo os pesquisadores, é entender as possibilidades e limitações da educação online. Pesquisas acadêmicas mostram que alunos “virtuais” têm performance inferior aos de escolas presenciais, quando todos os demais fatores são controlados. Que os alunos que mais se beneficiam da educação online são os que já têm um desempenho acadêmico melhor e que o desenho de ambientes virtuais é caro, demorado e complexo.
Para Blikstein, sair do presencial para o online requer mais que colocar slides na rede ou filmar-se diante de uma câmera. “A pesquisa educacional nos mostra que aulas que promovem investigação, construção coletiva do conhecimento e colaboração entre os alunos trazem resultados melhores e mais duradouros. E isso é difícil de ser feito a distância sem que haja um trabalho de redesenho e adaptação curricular, em especial com crianças”, explica.
Uma forma de garantir que os alunos continuem aprendendo durante o ensino remoto, os pesquisadores do TLTL listam algumas recomendações validadas por eles na área das Ciências da Aprendizagem.
DIVERSIFIQUE -A tecnologia educacional não se resume a plataformas de aulas online. É importante pensar em diversificar as experiências de aprendizagem com jogos, visitas a museus virtuais, simulações, ambientes de programação, arte, filmes e até laboratórios de ciência remotos.
APRENDER É CONSTRUIR CONHECIMENTO, NÃO “ABSORVÊ-LO” – As Ciências da Aprendizagem sugerem que o aprendizado é construído pelo aluno, ou seja, é uma interpretação inteligente e sistemática do que se vê, ouve e experimenta. Em vez de somente assistir a vídeos ou fazer exercícios, eles devem usar o potencial das ferramentas, tanto online quanto offline, para construírem invenções, teorias e explicações. Não é tanto sobre responder certo, mas como você chega até a resposta. Em vez de comemorar quando a criança dá a resposta certa, comemore junto quando ela teve uma ideia nova de como resolver um problema.
VALORIZE SABERES E VÁ AONDE O ALUNO ESTÁ – Sabe-se que o aprendizado é mais eficaz quando é relevante para o aluno e quando é alinhado com sua cultura e comunidade. Por que não pensar em novos tópicos que a escola nunca vai ensinar? Por que não tentar fazer menos “aula”, menos “conteúdo”, e mais projetos, tentando aproximar os temas da realidade e da cultura dos alunos?
REDUZA O CURRÍCULO – É natural o educador querer aplicar todo o conteúdo inicialmente pensado para a sala de aula. Entretanto, a máxima do “menos é mais” se aplica aqui: mais vale promover poucas experiências realmente significativas que acelerar as aulas para dar todo o conteúdo.
PENSE EM TODOS OS SEUS ALUNOS – Antes de pensar em questões pedagógicas, é fundamental que escolas e secretarias de educação avaliem se todos os alunos têm acesso a, no mínimo, um computador com internet. Num país de enormes desigualdades como o Brasil, é de se supor que não. Além disso, há que se pensar se todos têm conhecimento e suporte suficiente para usar aparatos digitais. Um sistema online que não é para todos vai apenas aumentar desigualdades.
CONSIDERE OS RISCOS À PRIVACIDADE – A repentina busca por educação online pode esconder o risco de violações à privacidade de alunos, familiares e professores. É nesta hora que se devem observar os limites à exposição de crianças e adolescentes em ambientes virtuais e a coleta maliciosa de dados por plataformas de ensino – mesmo de empresas aparentemente bem estabelecidas.
PENSE ANTES DE COMPRAR – Resista aos impulsos de resolver o problema comprando computadores ou outros serviços de educação sem planejamento. Resista às empresas de tecnologia oferecendo soluções fáceis. O importante agora são pessoas e não novas ferramentas.
USE O MOMENTO PARA APRENDER – É necessário que cada educador registre tudo o que está acontecendo e reflita sobre o que deu e o que não deu certo. Além disso, compartilhe seu conteúdo, atividade de aula e experiência com outros educadores, familiares e alunos. O momento é de colaborar.
Com planejamento, cuidado e senso de colaboração, será possível mitigar a crise atual e tentar garantir que o desenvolvimento dos alunos não seja interrompido completamente.
- Paulo Blikstein (Universidade de Columbia), Fabio Campos (Universidade de Nova Iorque); Cassia Fernandez (Universidade de São Paulo), Fernando Carnaúba (Universidade de Columbia), Tatiana Hochgreb-Hägele (Universidade de Stanford), Lívia Macedo (Universidade de Columbia) e Raquel Coelho (Universidade de Stanford) são educadores e pesquisadores brasileiros e fazem parte do grupo Ciências da Aprendizagem Brasil, uma iniciativa do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade de Columbia (EUA).