Escolas tradicionais se reinventam para acompanhar avanços tecnológicos

Escolas tradicionais se reinventam para acompanhar avanços tecnológicos

Mundo digital faz parte da rotina e instituições de ensino entenderam importância da preparação dos alunos

Matéria publicada no Estadão em 20/08/2023

Muito mais do que ensinar matérias como matemática, geografia e história, as escolas têm a missão de preparar crianças e adolescentes para a vida em sociedade – e é fato que a tecnologia digital é parte dela. As instituições de ensino entenderam, portanto, que é essencial preparar os alunos para utilizar, da melhor forma, ferramentas e dispositivos eletrônicos.

Iniciou-se um desafio para os profissionais da educação: manter sua tradicionalidade, mas também trazer inovação às aulas e ao currículo dos estudantes.

Fundado em 1911, o Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, deu as boas-vindas à tecnologia digital há décadas. Valdenice de Cerqueira, hoje diretora-geral da escola, trabalha no local há 30 anos: ela foi diretora de tecnologia e responsável por criar todo o ambiente digital da instituição.

“Em 1994, os computadores chegaram, e nós já iniciamos aulas de programação”, lembra. “É muito interessante todo o avanço que ocorreu desde essa época até agora. Para se ter uma ideia, o meu filho se formou aqui com um trabalho sobre Inteligência Artificial.”

Sob a batuta de Valdenice, os alunos do Dante têm em seu currículo, desde o maternal, a metodologia chamada de STEAM-S, que combina conhecimentos nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes, Matemática e Ciências Sociais. “Somos uma sociedade imersa no digital”, afirma.

Para os alunos menores, o uso de telas é bem restrito. No entanto, diz a diretora, “demonizar” a tecnologia digital ou bani-la do dia a dia das crianças não é eficaz. “A criança, quando crescer, terá acesso ao digital de qualquer forma”, diz. “Então, cabe à escola e aos pais ensiná-la a fazer o melhor uso, considerando a ética e a segurança, e a como utilizar a tecnologia no dia a dia para resolver problemas e desenvolver pensamento crítico.”

Valdenice afirma que, no Dante, os alunos são incentivados a também realizarem atividades “analógicas” e priorizarem as interações pessoais. “Na hora do recreio, por exemplo, aconselhamos os estudantes a não utilizarem o celular. Mas é sempre substituir uma coisa pela outra. Por isso, temos um piano no pátio. Aos alunos menores, são oferecidas brincadeiras”, conta.

A tecnologia na prática

escola Móbile também é adepta da tecnologia digital: há o devido cuidado sobre o contato de crianças pequenas com telas – à medida que os alunos crescem e se desenvolvem, a utilização de recursos digitais aumenta.

Enquanto crianças da educação infantil utilizam, pontualmente, um caderno digital de atividades de leitura e alfabetização, alunos do Ensino Fundamental I acessam a plataforma Matific para potencializar o processo de aprendizagem de matemática. Já no Ensino Fundamental II, utilizam uma plataforma de simuladores virtuais de ciências, chamada Gizmos, na qual desenvolvem habilidades do pensamento científico, formulam e testam suas hipóteses e identificam fatores relevantes para cada fenômeno.

A escola também tem um ambiente virtual de aprendizagem, a Móbile Virtual. É uma plataforma na qual professores e alunos podem se comunicar, compartilhar conteúdo pedagógico, enviar e corrigir tarefas digitais, inserir vídeos e jogos, aplicar provas e mais.

Julio Ribeiro, coordenador de Tecnologia Educacional, destaca que o uso da tecnologia no ambiente escolar sempre deve estar atrelado ao projeto pedagógico e deve ter a função de potencializar o aprendizado e o engajamento dos alunos. Segundo ele, o desafio é reconhecer e incentivar o bom uso das ferramentas. “Não é benéfico, por exemplo, que os alunos utilizem notebooks apenas para realizar anotações sobre uma aula ministrada em um modelo tradicional. Pois, nesse caso, o recurso digital não cumpre nenhuma função de otimizar seu aprendizado e pode acabar sendo mais um distrator do que um potencializador”, relata.

No Dante Alighieri, para além do uso de computadores em si, o colégio tem laboratórios que se baseiam na Cultura Maker, ou seja, a criação de objetos e artefatos desenvolvidos com softwares e materiais físicos. Há também matérias eletivas que se aprofundam em temas mais específicos, como o ChatGPT.

Liceu de Artes e Ofícios em SP é outra instituição que abre as portas à tecnologia digital, tanto em seus cursos técnicos quanto no Ensino Médio. Em suas salas de aula, alunos criam programações que podem ser aplicadas a robôs.

Ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, contudo, ainda não entraram na grade. “Temos uma reunião semanal de professores para a discussão dessa ferramenta”, diz Sergio Minas Melconian, coordenador pedagógico do curso de Automação Industrial da escola. “Estamos montando um manual para orientar os professores a como fazer o melhor uso, destacando potencialidades, riscos, benefícios, pontos de atenção. Os alunos já a utilizam por conta própria, mas queremos que ela entre no currículo de forma mais assertiva”.

Mesmo ainda sem o ChatGPT, o currículo do Liceu já é rico no uso de tecnologia digital. Estudantes do ensino médio e de cursos técnicos contam com recursos como softwares e modelagem e impressão em 3D. “A parte de programação é muito forte. Os alunos desenvolvem sistemas de automação que podem ser integrados a robôs. Temos braços e kits robóticos que, a partir da programação criada pelos alunos, podem operar executando ações humanas”.

Tecnologia aliada a jogos cria ambiente mais descontraído

Nas aulas do ensino médio do Liceu, os professores utilizam recursos para criar um ambiente interativo e sair um pouco do modelo convencional. Um desses é o Wordwall, uma ferramenta com jogos.

Essa abordagem é chamada de gamificação do ensino: utilização de elementos de jogos em atividades e processos educacionais para incentivar o engajamento e o interesse dos estudantes nos conteúdos.

“O que mais motiva o aluno a participar desse processo é o desafio. A partir desse desafio que criamos, o aluno consegue ter algo em troca, como uma bonificação por pontos. E isso os motiva a interagir com a tecnologia”, conta Melconian.

Outra disciplina que utiliza a dinâmica de brincadeiras e jogos é voltada à programação e robótica. “Utilizamos kits parecidos com Lego, e os alunos conseguem montar seus robôs, seus carrinhos, ou o que eles querem operar. Nesse caso, usamos uma programação mais básica, baseada em blocos, e eles vão montando as peças para fazer tudo acontecer”, completa o educador.

Esses kits também são utilizados pela equipe de robótica para a criação de modelos que atuarão em competições, seja de combate ou de corrida.