Educação avança no país, mas divergências em ministério travam pautas sensíveis, avaliam especialistas

Educação avança no país, mas divergências em ministério travam pautas sensíveis, avaliam especialistas

Primeiros meses do MEC foram marcados pela implementação de programas relevantes; Novo Ensino Médio e o Fundeb geraram controvérsias.

Matéria publicada pelo Terra em 05/09/2023

A educação se destacou como uma das principais temáticas na elaboração do plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde então, o Ministério da Educação (MEC), sob o comando do ex-governador do Ceará Camilo Santana, vem implementando uma série de avanços na área, em comparação com a administração anterior do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

A avaliação é de Ernesto Faria, mestre em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas, e fundador do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), que tem como propósito fomentar as discussões educacionais no País. 

“Se a gente faz uma comparação da gestão atual com a gestão passada, eu acho que tem avanços importantes. É um MEC que dialoga muito mais, que tem mais pessoas técnicas. Tem atenção para alguns temas de relevância, como as desigualdades. Então, em termos de visão, é um Ministério da Educação, certamente, melhor do que o Ministério da Educação da gestão Bolsonaro”, pontua.

Entre as principais ações implementadas pelo Ministério nestes primeiros 9 meses de governo estão a revisão dos valores das bolsas de pesquisa, a aprovação da Lei de Conectividade e a implementação do Programa Escola em Tempo Integral.

Este último, sancionado pelo presidente Lula no final de julho, é um programa fundamental para o desenvolvimento dos estudantes durante a Educação Básica, de acordo com a análise de Cláudia Costin, ex-diretora global de Educação do Banco Mundial e presidente do Instituto Singularidades.

“O Brasil não deveria ficar com quatro horas de aula, que é uma característica que quase nenhum país que tem um bom sistema educacional tem. Os países que têm bons resultados têm entre sete e nove horas de aula”, explica.

De acordo com a avaliação dos especialistas, outro aspecto que registrou avanços neste período foram as medidas relacionadas à alfabetização, uma etapa do ensino que sofreu consideráveis prejuízos durante a pandemia.

O MEC lançou o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, um programa que destina mais de R$ 2 bilhões ao longo de quatro anos, com o objetivo de assegurar que todas as crianças estejam plenamente alfabetizadas até o término do 2º ano do ensino fundamental.

A iniciativa busca alcançar a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE), ao mesmo tempo que visa mitigar os efeitos da pandemia sobre o processo de aprendizagem das crianças.

Novo Ensino Médio e Fundeb

Apesar das medidas implementadas, existem pautas que poderiam ter progredido mais durante esses primeiros meses de governo. Como é o caso da implementação do Novo Ensino Médio, que está em vigor desde 2022, mas que foi temporariamente suspensa pelo governo federal em resposta a uma recente onda de manifestações contrárias à reforma.

Para Cláudia Costin, uma reformulação tão profunda não era necessária, especialmente considerando os desafios enfrentados na implementação das alterações propostas.

“O Novo Ensino Médio teve problemas de implementação, porque houve o problema da pandemia, o que dificultou, já que as escolas ficaram muito tempo fechadas Então, não era um bom momento [na pandemia] para começar a implementação do Novo Ensino Médio, mas, finalmente, começou a ser implantada. E agora, muda governo, e nós vamos rediscutir tudo, faz sentido, se for para complementar, fazer alguns ajustes”, diz Costin, que atualmente é presidente do Instituto Singularidades.

“Depois de que se gastaram bilhões de reais na implementação pelas redes estaduais e privadas com a implementação do Novo Ensino Médio, veio a ideia de fazer um ‘freio de arrumação’, o que até faz sentido. Mas com idas e voltas grandes em termos de ideias, as redes ficaram um pouco paralisadas. Não precisaria, a meu ver, ter ido de volta para o Congresso, um Projeto de Lei. Então, perdeu-se um tempo muito grande com essa questão”, completa.

A suspensão do Novo Ensino Médio e toda esta profunda reformulação pode ser consequência de “pressões corporativistas muito fortes para atender interesses por carga horária”, como opina Costin.

Outra pauta em debate é a implementação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que tem como principal função redistribuir recursos destinados à Educação Básica. Dentro desse contexto, um dos novos critérios de distribuição de recursos que geram discussão é o Valor Aluno Ano Resultado (VAARR). 

O VAARR é um mecanismo que busca levar em conta o desempenho e os resultados obtidos pelas escolas e pelos alunos ao distribuir os recursos do Fundeb. No entanto, na avaliação de Ernesto, o novo critério ainda não está bem estruturado.

“Acho que o novo Fundeb é uma pauta que não está avançando como deveria. Tem uma insegurança, porque o VAAR, especificamente, tem vários problemas em como ele foi desenhado, com indicadores não muito bem formulados”, pontua

Esse mecanismo gerou considerável debate e dúvida entre várias entidades, pois havia preocupações sobre o risco de uma complementação por resultados poder aumentar a desigualdade, em vez de alcançar a equidade desejada nas redes escolares. 

“Eu acho que nós estamos com um pouco de ‘bateção de cabeça’ dentro do próprio MEC, mas é natural que isso aconteça. Eu acho que há, dentro do próprio MEC, visões diferentes, dentro de diferentes áreas, mas que está levando a uma lentidão muito grande. Não é errado ter pessoas com visões diferentes, desde que a gente atue na educação, com a urgência que a educação demanda no Brasil.” 

O Terra procurou o Ministério da Educação, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.